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A Interrupção

A subversão de Lav Diaz

Por Fabricio Duque

Durante a Mostra de São Paulo 2019

A Interrupção

Confesso que às vezes me canso de tentar explicar as maestrias narrativas das obras do realizador filipino Lav Diaz, tudo porque quem me pergunta sempre faz o mesmo questionamento-surpresa sobre as a longa duração de suas obras, que um filme, por exemplo, chega a durar mais de onze horas, ainda que sejam pérolas do cinema mundial.

Seu mais recente filme, praticamente um curta-metragem de apenas quatro horas e quarenta minutos, “A Interrupção”, é uma fábula lúdica à moda do escritor português José Saramago que nos conduz pelo realismo fantástico de adulterar a própria vida a fim de chamar atenção e assim com utopia e perspicácia tentar consertá-la. É um cataclisma da alma filipina, de alegoria política em seus núcleos-personagens. Do sudeste da Ásia que não vê a luz do sol há três anos, como resultado da erupção de vulcões. E no escuro, homens loucos controlam países, comunidades, enclaves e novas cidades.

“A Interrupção” é também um manifesto comunista por realizar uma análise nua, crua e direta contra o governo ditador que quer “matar a verdade” com “psicologia fascista”, entre execuções, epidemia de gripe (a “assassina negra”) e soluções de “gás venenoso” nas comunidades vulneráveis. A obra, cruelmente atual, busca estimular a revolução, não como propaganda e sim pela observação das consequências de atos desumanos, ordenados (dominados) por caprichos mimados, por “elogios divinos”, vozes fora de cena e excentricidade exótica-esquizofrênica do “psicótico” Presidente da República, Ferdinand Marcos, que governou de 1965 a 1986.

O filme, em fotografia preto-e-branco, por contos realistas de conceito orgânico (ao mesmo tempo mais underground, mais subversivo e mais pop), ambienta 1976-2031 e é sobre loucos, lunáticos e robôs, pululado de discursos-monólogos inflamados e no limite catártico da raiva. De um lado, os revolucionários, indivíduos sociais radicais em guerrilha urbana contra as forças militares e para que a memória não seja apagada. Do outro, as imposições de regras perfunctórias e aviltantes que engessam a própria existência plena. “O sonho é focar nas pequenas coisas”, diz-se com “minimalismo”.

“A Interrupção” desenvolve-se por capítulos-núcleos-instantes, com chuvas recorrentes, concertos “Rosas Santificadas” de rock estroboscópico, construindo uma aura “Blade Runner” de ser. Há aqui uma simplificação espontânea da edição e um amadorismo estético de improvisos precisos, que respeitam o propósito e a essência das motivações de suas personagens com o intuito de encontrar reverberações no Neo-Realismo Italiano.  Transpassa-se a entonação mais caseira a fim de igualar com ficção a verossimilhança.

Este é talvez seja o filme do Lav Diaz que mais tenha o roteiro amplificado nas questões diplomáticas, visto que a língua filipina (o tagalo) é intercalada com um inglês de sotaque filipino. Por encontrar respostas ao “futuro das Filipinas” com plebiscito (escolhido pelo povo) e as mudanças drásticas da destituição. Mas que na verdade no final tudo continua exatamente como sempre foi. A vida continua. “A Interrupção” é a típica obra cinematográfica que precisa de tempo de duração para aprofundar os temas da história. Nós somos imersos em uma colcha de retalhos sendo costurada ao vivo. Adentramos na maquinaria do sistema da política pelos bastidores intimistas e pessoais, como estudos de caso.

Mas talvez os duzentos e oitenta minutos não tenham sido suficientes para o desenvolvimento da trama. Talvez fosse preciso mais. Porque as inúmeras questões abordadas acabam por ficar compactadas e a edição ágil não favorece nosso diretor de longas jornadas. Era para ser um épico político. Uma odisseia social. De ficção científica metafórica e de meditação contemplativa. De gênero filme-catástrofe. De atmosfera apocalíptica. Uma crítica sobre o meio ambiente e a camada de ozônio, tema descartado por Donald Trump. Só que seu resultado dessa vez possui um que de corrido. De mais urgente não como objetivo, mas necessidade.

Exibido no Directors’ Fortnight Quinzaine des Réalisateurs do Festival de Cannes 2019, na Mostra de São Paulo e chega agora no Festival do Rio, do mesmo ano, “A Interrupção” é uma “viagem zen”. “A ficção científica pode ser a mais livre das formas mais livres do cinema, porque não oferece limites. É semelhante à prática de fazer contos de fadas, fantasias e notícias falsas. Fiquei tentado a realmente fazer o Presidente Navarra voar por toda parte, como o conceito de Deus pairando, em seu traje de aniversário, ou ser uma mistura de Batman, Mulher Maravilha, Hulk e Bart Simpson, alguns anjos sombrios seguindo-o com seus hinos discordantes e confusos, mas no final tive que me conter de exagerar. Cinema é zen”, finaliza Lav Diaz (confira nosso Especial sobre o diretor aqui) em entrevista à revista DesistFilm.

 

3 Nota do Crítico 5 1

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