A Ilha dos Prazeres Proibidos
E mais uma vez o dia foi salvo graças às poderosas pornochanchadas
Por Giulia Dela Pace
O fascismo, e consequentemente o capitalismo, sempre gozou de mecanismos de sedução baratos e que costumam ter efeito entorpecente sobre a realidade. Tendo a publicidade como uma ferramenta basilar do consumo e discursos atraentes, como o da meritocracia, ou mesmo a propaganda que seduz o indivíduo a considerar ideologias ditatoriais e moralistas como algo positivo. Mas nesses contextos é que a criatividade aflora, pois os artistas sempre se utilizaram das inúmeras possibilidades de criação que a metáfora – a mais óbvia a mais complexa – pode oferecer. Daí, surgem músicas, literatura e filmes que estão a cada passo fugindo e se escondendo nas entrelinhas, mesmo que explícitas. E as obras ganham mais profundidade de sabor, pois além de serem mais bonitas, sempre passam despercebidas aos olhos imbecis de sistemas repressores. Assim, “A Ilha dos Prazeres Proibidos” de Carlos Reichenbach teve que passar mensagens anti-repressoras e antifascistas, quase óbvias, desde que disfarçadas de histórias de amor e pornográficas.
E é neste paraíso de Reichenbach que as regras de comportamento, as configurações de relacionamento, tal como outras convenções são reconfiguradas a partir do desejo, pois ele é o ditame. Em “A Ilha dos Prazeres Proibidos” Reichenbach se utiliza da poderosa arma das entrelinhas para escrever sobre repressão, mas com a ferramenta do sexo. O desejo sexual, o estilo pornográfico e a os usos do erótico são tanto formas de se fazer um filme sucesso de bilheteria pela simples narrativa, quanto uma maneira psicanalítica de falar sobre liberdade e sobre moralismo.
Vemos isso quando Ana Medeiros (Neide Ribeiro) – uma jornalista de fachada contratada por um órgão de extrema direita ou governo para aniquilar pensadores rebeldes considerados subversivos perigosos para o país – fica confusa com seus próprios objetivos e se rende ao desejo por outro ex-jornalista, que há tempos já abandonou pensamentos e o ambiente autoritário. Nesse momento, Ana não queria apenas a carne de Sérgio (Roberto Miranda), mas sua posição como jornalista consciente da verdade. É a liberdade, o amor e a suavidade de Nilo Baleeiro (Fernando Benini) e suas parceiras que acabam atraindo Ana e não o contrário, como ela previra: a mera objetificação de seu corpo feminino.
“A Ilha dos Prazeres Proibidos” é um, não apenas um dos grandes sucessos de bilheteria nacional e uma das produções de “ressaca” de Reichenbach, mas um poderoso manifesto político-social. É um filme simples, que pode ser visto por mais de uma visão interpretativa, mas em todas elas é um filme tranquilo e agradável de ser consumido. Um combo perfeito em muitas situações.
Uma das coisas mais graciosas no filme é a presença de Carlos Reichenbach, pois ele escreveu, fotografou e dirigiu o longa. Sempre dando preferência para produções mais autorais que transbordam seus pensamentos e visões o cineasta reflete como funciona o cinema nacional: esse tipo de produção é não só uma possibilidade de se fazer cinema com pouquíssimos recursos, mas também uma forma de exalar criatividade e dizer o que se quer, quase sem limites. Especialmente porque as produções, não só de Carlos, mas de Jairo Ferreira – um de seus grandes parceiros cinematográficos e gigantesco e autor do livro “Cinema de Invenção” –, demoraram para conseguir recursos para serem rodadas. Consequentemente, o resultado final das produções bateram duas décadas no liquidificador e fizeram um suco com ideais das liberdades políticas, ideológicas, sexuais e estéticas… No fim, todos esses pontos desaguam na mesma liberdade oferecida na Ilha dos Prazeres Proibidos, ainda que haja alguns traços marcantes de ciúmes e da normatização do relacionamento monogâmico datadas.
Aliás, o sexo e a violência se contrapõe no filme e funcionam como ritmo do narrativa, para que, por fim, consigam convergir e extrapolar a primeira camada do plot e possam atingir a nudez desconfortável, a autonomia perigosa do fascismo e o objetivo central de Ana: eliminar quaisquer indivíduos “subversivos”.
Assim, a protagonista se fixa como a encarnação do atraente fascismo em tempos de de desalento e instabilidade, onde as pessoas são capazes de atos atrozes, como empurrar Lua – parceira de Sérgio – do alto de um penhasco, ou explodir Nilo da forma mais violenta possível – ainda que não fosse necessário. Ana também toma atitudes exageradas tal como a direita: como expor os seios por pura crueldade, quando o sensual do corpo nu já não era agradável às “ninfas”, mas desconfortável e humilhante, logo antes de serem assassinadas. E por fim, após cumprir a missão que lhe foi atribuída, Ana é descartada tal qual qualquer peão de um grande sistema capitalista, sem desperdícios: com uma bala só na cabeça.