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A História do Cinema – Uma Nova Geração

Dispersão da Imagem

Por João Lanari Bo

Durante o É Tudo Verdade 2022

A História do Cinema – Uma Nova Geração

Que mundo é esse em que vivemos, onde várias culturas buscam, por meio de imagens, validar suas verdades e identidades? Quem é capaz de perceber a não-homogeneidade da cultura e da sociedade, a incontornável segmentação do mercado energizado pela reprodutibilidade digital? O novo documentário-compilação que Mark Cousins concluiu em 2021, “A História do Cinema – uma nova geração”, não se faz de rogado e almeja nem mais nem menos registrar as mutações de nossas sensibilidades na janela sagrada do cinema, a sétima arte dos antigos estetas. Dividido em duas grandes seções – “Estendendo a linguagem do cinema” e “O que procuramos?” – dois princípios que tratam de visualidade e narrativa, por um lado, e aspectos identitários e pontos de vista, por outro, o filme desliza diante dos nossos olhos como a correnteza de um rio, um fluxo de sugestões, impasses, medos, sutilezas, impulsos, inteligências e rupturas. A narração, na voz cozy do autor, quer criar uma cumplicidade quase silenciosa no espectador – e salta de um clip (trechos de filmes) a outro, pretensamente ignorando fronteiras nacionais em nome da essência universal da arte cinematográfica. Os velhos e úteis gêneros são invocados – comédia, ação, dança, horror, cinema lento, documentários, enredos sobre o irreal – para posterior exploração dos filmes eleitos. No interior de cada um desses gêneros, choque entre movimento e calmaria, tecnologia e artesanato, personagens em carne e osso e seres animados, aceleram o documentário-correnteza: lá pelas tantas, Cousin anuncia o “Copérnico do cinema”, as câmeras GoPro (“invenção de surfistas”), que desestabilizam e descentram o universo da tela – uma GoPro com lentes fisheye é efetivamente um peixe vagueando a esmo. Um otimismo irrefreável parece contagiar o realizador, que convida a audiência extasiada a uma expansão dos sentidos, um novo mundo das imagens.

Seria difícil para qualquer um manter um nível instigante dos insights com um corpus dessa escala – e Cousins não é exceção. Seu projeto é acumulativo, construído a partir do ponto de vista de um espectador anglófano atento ao circuito internacional de festivais e a diversidade cultural aí gerada. Para contrapor ao olhar eurocêntrico, há um sabor tardio de exótico na seleção de cineastas que ilustra o percurso de “A História do Cinema – uma nova geração”, muitos sem dúvida talentosos, mas que são apresentados como se fora uma curadoria algorítmica tirada dos Festivais de “prestígio artístico” na cena contemporânea. Se determinado filme ou cineasta capturou a atenção de um ou mais curadores do circuito, ganha a senha para entrar na História de Cousins. Essa limitação não é culpa do diretor – o mercado, afinal, segmentou-se dessa forma – mas seu recorte termina sendo superficial, apesar do empenho em enfatizar momentos de reflexão mais aguda. A insipidez do projeto acaba prevalecendo: mas talvez seja essa mesma insipidez que permite a fruição do filme, no disperso cenário de consumo de imagens que se confronta diariamente o espectador de renda média, sobretudo nos países ocidentais.

No mundo de Mark Cousins, um inglês que cresceu na Irlanda do Norte e vive em Edinburgh, sobra pouco para o cinema sul-americano. Em “A História do Cinema – uma nova geração”, salvo engano, são citados apenas “Zama”, de Lucrécia Martel, e o nosso clássico “Limite”, de Mário Peixoto. Este último foi também mencionado na caudalosa série de 15 horas, “A História do Cinema: Uma Odisseia”, produzida por Cousins em 2011: e no livro homônimo, que ganhou em 2020 uma edição revisada. “Limite”, como consta na página 246 do livro, teria sido realizado “quando o diretor tinha dezenove anos, e seu retrato da visão de dois homens e uma mulher enquanto perdidos em mar foi descrito como ‘muito bonito’ por Sergei Eisenstein” (nem Mário Peixoto tinha 19 anos nem Eisenstein viu o filme). São citados também Glauber, Nelson Pereira, Carmen Miranda, Walter Salles e Fernando Meirelles, além de uma inesperada homenagem a “O Ébrio”, de Gilda de Abreu, 1946.

A descrição que Cousins faz da sequência de abertura de seu documentário revela seu modus operandi. O diretor surpreendeu-se quando filmava os degraus que Joachin Phoenix desceu dançando, no Bronx, em Nova York – e cruzou com turistas brasileiros que estavam ali apenas para conhecer a escadaria. Por alguma razão lembrou-se da animação “Frozen”, de 2013, em que a heroína, a Princesa Anna, parte em uma jornada por perigosas montanhas de gelo na esperança de encontrar sua irmã, a rainha Elsa, e acabar com a terrível maldição de inverno eterno. E concluiu: “poucas pessoas fariam a conexão entre ‘Coringa’ e ‘Frozen’, ambos os filmes impactaram nossas vidas, para o bem ou para o mal: eles têm algo em comum sobre as pessoas que desejam, que se sentem dominadas. Então, voilá!”

Voilá!

2 Nota do Crítico 5 1

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