A Garota e a Aranha
Entre os desejos e o delírio
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de SP 2021
Entre os desejos e os anseios “A Garota e a Aranha”, de Ramon Zürcher e Silvan Zürcher, se desenvolve nos encontros e desarranjos da vida, uma prosa que procura uma certa elegância no delírio e nas mudanças de ares. Por mais que algumas investidas na comédia desajeitada não se encontrem durante quase toda a projeção, a proposta é particularmente comum ao que o drama suíço apresenta na última década.
As aproximações com o prosaico ou as tentações sexuais de outras cinematografias da Europa, vão se amontoando em um filme que quer soar um breve conto sobre “mudança e efemeridade”, como a sinopse expõe, mas longe do cinema Romeno que escava a beleza na atribulada política social e distante dos fragmentos franceses das intrigas pessoais, “A Garota e a Aranha” procura sua força em determinadas obsessões pelo estranho. É como se a linguagem se rendesse a um certo rigor formal em detrimento do desenvolvimento desses dramas em sua primazia, ou seja, a intenção não é necessariamente a provável mutabilidade a partir do desencontro, mas sua permanência diante do turbilhão e do caos. O plano que mostra a figura no meio da tempestade, no deleite de algo que somos incapazes de desconhecer, poderia facilmente ser base imagética para uma cena de horror, contudo a reação da personagem é sorrir diante do frenesi da tempestade.
Por essa razão, quanto mais o filme progride, menos sólida fica essa proposta de tentar conciliar seus universos entranhados pelo “poético” com a crueldade do cotidiano. O desejo passa a ganhar forma, sem um fim aparente ou mesmo algum meio para que se desenvolva além do imediatismo da troca de olhares e comentários que atravessam os diálogos, por vezes sem um sentido particular. Essa confusão se contrapõe ao rigor dos planos, seja nos detalhes que enquadram essas ações contraditórias, ou mesmo na fixação pelo lugar que vamos abandonar até o fim da projeção. Nessa dialética do medo e do desejo, “A Garota e a Aranha” pode conquistar uma parte do público por não ser facilmente categorizado, muito menos descrito, e o efêmero é o prato cheio da diluição dessas relações à algo que não sobrevive nas sequências de suas imagens, se molda de acordo com a encenação do momento. Reestrutura seus conflitos dramáticos ao que esses encontros possuem de uma forma ainda mais banal, um estranho poder da troca afiada pelo olhar e desenvolvida pelas expressões.
O vencedor do Prêmio da Crítica e de melhor direção na seção Encontros do Festival de Berlim, não é dos mais originais mas procura ser criativo na resolução das questões que apresenta. Acaba se tornando mais sobre os conceitos que decide trabalhar, mantendo uma certa tradição da estrutura e da encenação enquanto procura as particularidades das situações, a fim de transar com uma série de elementos que vão se somando em uma narrativa que retorna aos símbolos de sintetização dos sentimentos desses personagens. Essa postura demonstra uma facilidade na compreensão do todo, formulando a unidade estilística da obra ao que não é naturalista, nem fantástico, muito menos um drama clássico. É o destaque de um filme menos funcional que pretendia, mas plenamente consciente e confiante de suas decisões estéticas, sem se render a facilidade da tradição por si, mas em uma utilização que vai desvirtuando cada nova esquina dessa tragicomédia de ocasião.
Sem dúvida não funciona como uma progressão mecânica, é quase que uma constante arritmia. Não se expande em sua totalidade, nem se enclausura ao ponto de tornar-se a banalidade blasé dos conceitos europeus sobre a imagem contemporânea e sua possível “efemeridade”. Se distanciando o suficiente para não se confundir com a mediocridade, “A Garota e a Aranha” por vezes é cirúrgico, em outras confuso e com uma frequência maior que gostaríamos, tedioso. Como a própria montanha russa emocional vivida pela protagonista, o longa se torna um reflexo desses encontros e desencontros. Dentro de seu charme e seu ar francês, “Voyage, Voyage” é a nota de lembrança.