14 Dias, 12 Noites
Sonho entre os polos
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
“14 Dias, 12 Noites” de Jean-Philippe Duval, candidato canadense ao Oscar 2021 (após a desclassificação de “Funny Boy”), desembarca no streaming brasileiro mostrando que os embargos e sanções estadunidenses não direcionam apenas o sul do país. Um fato curioso, nenhum dos filmes canadenses falava de sua própria cultura. Aparentemente apontar a câmera para o outro, é buscar essa internacionalização do bom-mocismo, ou quem sabe se distancia do irmão de fronteira.
De toda forma, poucas diferenças notáveis podem ser percebidas na estrutura narrativa e julgamentos morais da cultura alheia, que procura um apelo dramático em torno de relações entre o passado e o presente, encontrando uma ressonância direta na vida das duas personagens. Existe um exotismo que Duval procura em cada espaço no Vietnã, é o fetiche pela estranheza, típico dos colonizadores “pacíficos”. A mais-valia ideológica vem como uma bomba nesse projeto, a língua francesa passa a costurar a paisagem política de um país que sofreu com duríssimas políticas dos EUA, o presente comprado ainda no início do filme, contém a moeda do inimigo em sua representação e os diálogos vão atrás dessa refrega cultural que só pode ser encerrada por uma redenção. Esse barato católico entra com três frentes distintas, a relação de Isabelle Brodeur (Anne Dorval) e Thuy Nguyen (Leanna Chea), o perdão familiar e o “grande fardo” da história desconhecida pela canadense. “14 Dias, 12 Noites” é um martírio em conotações diversas.
A lentidão de uma narrativa que procura o exótico e o sofrimento em união, demonstra a tentativa de uma representação com vinho e cachecol, de um país que sofre até hoje com o massacre promovido pela “terra da liberdade”. Thuy fala um pouco disso durante um breve momento da obra, citando as principais diferenças entre o Norte e o Sul, explicando que as culturas possuem traços imediatamente distintos em si. Em especial, a hospitalidade e aceitação dos próprios estrangeiro. Quando tudo isso é dado em francês, o espectador já havia percebido a preferência linguística na legenda, se há um diálogo que precisa ser traduzido, o primeiro (e único) da fila é o francês, não o vietnamita.
Poucas coisas aqui surpreendem, desde algumas investidas formais mais rigorosas, para ter nesses espaços uma referência menos tumultuada do Ocidente, até as resoluções fajutas de um laço criado pela memória. “14 Dias, 12 Noites” é mais uma síntese do que a representação que a indústria dos dólares procura em seu expansionismo de “mea culpa” católica. Aqui, os vietnamitas surgem como um povo amargurado e histérico em suas memórias, reativo ao bom mocismo de nossa protagonista. Alinhando-se aos arquétipos industriais de sempre, a linguagem assume o tacanho: é uma transa direta entre os europeus e os norte-americanos. A cadência e o naturalismo de quinta do “velho continente” e a montagem que tenta dinamizar os conflitos em diferentes locações, incapaz de afastar o fetichismo pelo exotismo de não estar filmando os cartões postais do Ocidente.
Quando o tédio toma conta, o espectador perde o interesse por uma construção que não consegue se encontrar, pois está sempre perseguindo a cultura e oferecendo a sua, em troca. E mesmo quando parece sincero, mostrando que os laços que ligam as duas personagens, ultrapassam suas diferenças (até a segunda linha), parece se esforçar para desmaterializar seus próprios acontecimentos. Antes de apresentar a visão de um Vietnã, na perspectiva de Thuy, já foi capaz de representar um julgamento midiático de manutenção do que já estamos habituados a assistir.
O maior problema de “14 Dias, 12 Noites” é acreditar que seu aroma europeu vai dispersar a carga dos EUA e aliviar no julgamento. E ainda que os motivos de Isabelle sejam minimamente honestos, ela é um reflexo do que o próprio filme faz ali, está perdido pois não sabe o que a levou ali, mas quer conhecer de onde sua filha veio. O misticismo da moral que tanto já escutamos, o retorno ao local de uma ruptura, é a consagração revisionista.