100 Dias de Resistência
O cerco e os desvios
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
“100 Dias de Resistência” chega ao Cinema Virtual expondo parte do massacre Turco aos curdos. Quando a projeção se inicia o conflito é explicado superficialmente, citando os recentes avanços das forças armadas da Turquia, ao mando do presidente Recep Tayyip Erdogan. Um dos problemas do filme de Ersin Çelik é a falta de uma contextualização para que possamos compreender não apenas as motivações dos personagens, mas a questão política da região que é o eixo dramático. Porém, fica claro que o objeto da representação que o longa busca, não é criar um diagnóstico do conflito étnico-político, muito menos lembrar as falas de Trump sobre o massacre em andamento. A intenção é utilizar essa paisagem política para criar uma série de sequências onde os conflitos vão se amontoando, aproveitando o caráter de sua violência e criar um dinamismo de fácil assimilação.
Os dramas particulares e coletivos de seus personagens até conseguem algum engajamento da parte dos espectador, mas tudo entra em suspensão quando o assunto é tiros e bombas, o projeto assume esse caráter espetaculoso diante da realidade, sem uma proposição discursiva em torno do que ele mesmo compreende como um absurdo necessário de levar às telas. “100 Dias de Resistência” soa como uma obra de Peter Berg sem o patriotismo norte-americano, utilizando os dispositivos simbólicos de suas situações práticas de ação, para levantar algum tipo de pensamento diante de seu objeto narrativo. A falta de rigor com a militância de seus personagens, não se diferencia muito desses gatilhos imediatistas que a indústria norte-americana promove incessantemente como modelo programático. Não por acaso, os próprios protagonistas, os curdos, possuem diálogos em torno de suas atitudes políticas que soam panfletos automatizados: “Isto é a guerrilha, precisamos lidar com o que temos”, “Distraia os inimigos” etc. É a exposição do conflito seguindo a cartilha internacional (leia-se industrial) para encontrar resoluções práticas de suas sequências.
Por essa razão, quanto mais o filme avança, as coisas se tornam turvas e perdem o foco desse conflito político que não é de hoje. A luta pelo Curdistão é um entrave político, cultural e religioso, que em “100 Dias de Resistência” vai perdendo seu sentido e dando espaço para os velhos fetichismos do embate. O Estado Islâmico, peça fundamental para entender a situação da resistência curda, também não é desenvolvido na narrativa. Assim, os esforços em criar a dimensão da refrega a partir dos tanques de guerra, armas e desespero da população, recebe tratamento semelhante em uma divulgação que o joga no streaming brasileiro como um “filme de guerra”. A própria sinopse oficial procura uma praticidade, reforçando que é um filme sobre “amizade, sacrifício, esperança e perdas” (só faltou resiliência), ou seja, em nada se distingue do que a plataforma de streaming apresentou nos últimos tempos.
A representação se torna um entorpecente que procura em seus vácuos algum drama que crie a dicotomia moral, facilitando ao público seu didatismo inócuo. Onde poderia conseguir algum feito maior, a guerra, também não funciona pela ambição das mortes e explosões, deixando claro que apesar do alto orçamento, os limites ficam cada vez mais expostos. Algumas cenas são verdadeiramente vexaminosas, como o caderno explosivo e breves planos do conflito final. Essa dimensão de um clímax em um constante “crescendo” faz com que os personagens estejam à disposição dessa esquemática com eixos pré-estabelecidos de tiro e mortes.
“100 Dias de Resistência” é incapaz de debater seus protagonistas, os curdos, e sua necessidade do subjetivo sentimental e da representação prática desse conflito, é o campo fertil para a importação de discursos intervencionistas, reformistas, dogmáticos, humanistas mal-intencionados e da assimilação ao catálogo da moral cristã que começa a transbordar pelas plataformas. Nem os filmes brasileiros que seguem a mesma linha estão tendo espaço. A verdade é que o projeto tinha tudo para conseguir um discurso, utilizando alguns sobreviventes reais do conflito, e acabou pendendo à facilidade da distribuição internacional diluída, seguimos na mesmice.