Virar Mar
Uma relação unilateral
Por Vitor Velloso
Durante o Olhar de Cinema 2021
Compondo a Mostra Novos Olhares, “Virar Mar”, de Philipp Hartmann e Danilo Carvalho, é um caso particular no Olhar de Cinema deste ano. Primeiro que só para conseguir ler a legenda do filme, o espectador já tinha que fazer um esforço assombroso. Segundo que o que parecia interessante nos primeiros minutos se torna um dos projetos mais arrastados da atual edição. Em seu caráter diletante, e não dialético, a co-produção Brasil e Alemanha tenta criar um fluxo entre os dois países, sem um propósito claro, apenas caminhando entre um ensaio problemático ou uma comparação inócua.
Por mais que uma cena ou outra de “Virar Mar” até consiga desenvolver um humor mais imediato, todas as tentativas de criar uma concepção entre a seca e a abundância atravessam um grave problema. Quando o “deslocamento das realidades” se torna a única nota possível para se debater uma questão histórica, material, que deve ser compreendida no cinema com uma problemática estrutural na sua representação, é inevitável que o longa caminhe de forma acentuada para um senso comum que realmente incomoda. Existe uma imensa carga eurocêntrica na forma como as coisas se desenvolvem aqui, mesmo nas sequências brasileiras, o fetiche pela representação que segue à risca a forma que vem sendo reconhecida nos grandes festivais estrangeiros. Ou seja, nos créditos iniciais que vemos o título se dividir entre o alemão e o português, o recado está dado. A cena seguinte, entre um cigarro, um barco e Caronte, eleva essa perspectiva de um mundo que não transita entre as duas culturas, mas reflete sobre as desigualdades do mundo, sem trabalhar o desenvolvimento das mesmas. É um sintoma da superficialidade ou das estruturas que procuram fragmentar a realidade para refletir única e exclusivamente uma particularidade.
Se não bastasse essa fórmula pouco honesta, a experiência ainda é arrastada por essa cadência lenta e perdida no próprio delírio das imagens que nunca se completam, mas se atravessam o tempo todo. Quanto mais avançamos em “Virar Mar” menos interessante as coisas ficam e mais fica claro que não existe um interesse social ou estético que possa ser consolidado na tela, apenas aquela denúncia rasteira que funciona como uma bala de prata para creditar à obra alguma discussão verdadeiramente densa. Nada é debatido aqui, por mais que algumas pessoas enxerguem uma visão apocalíptica da natureza, ou que essa disparidade entre a precariedade e a abundância estão ali para propor um novo olhar sobre alguma coisa, é uma merda leitura que internaliza os problemas de um filme que não sabe para onde caminha, reforça a representação exterior a partir de uma lógica que se estrutura na unilateralidade e mostra que essa união cultural mantém uma dependência aguda nessa relação.
Nessa percepção de um mundo caótico, retirar as particularidades para criar analogias frágeis, não é uma forma de discussão, é só um espasmo reacionário. É uma vulgarização para que se crie um jogo estético que vai tentar relacionar dois campos opostos na intenção de provocar alguma reação primária e imediata no público. Não funciona nesta nota e muito menos como uma análise de alguma coisa. “Virar Mar” é um dos baratos mais chatos exibidos no festival, sem dúvida um dos que menos propõe alguma coisa, e não consegue firmar nenhum tipo de discurso que não esteja na ordem de sua alucinação bilateral entre dois países, entre a abundância e a seca. É o sarau decadente dessa ordem formalista que procura separar e relacionar para homogeneizar. Um desvio acentuado de uma programação que pode não ter sido brilhante, mas possui alguns méritos. Vale lembrar Glauber: “…método e ideologia se confundem a tal ponto que paralisam as transações da luta.”
O inconsciente fala mais alto, não?