Vida de Doleiro
Um visível desgaste
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2021
“Vida de Doleiro”, de Federico Veiroj, é um filme unicamente lento. Por mais que a sinopse transmita uma certa dinâmica criminosa que ganha contornos sarcásticos, o negócio aqui é de uma chatice impressionante. Diferentemente de “Vermelho Sol”, de Benjamín Naishtat, por exemplo, a estética argentina das comédias ilegais não funciona nem um pouco e por mais que o espectador decida entrar na loucura do universo apresentado, tudo é desengonçado e fora de ritmo. As atuações parecem querer provar de um certo conflito da encenação, partindo para um humor físico que gera algumas situações vexaminosas. A tentativa de criar uma estética que transita entre o “moderno” e a “época” vai por água abaixo nas repetições estilísticas, que apesar de possuir uma fotografia minimamente eficiente, se embanana todo quando precisa estruturar uma narrativa que parece não sair do lugar.
O que é curioso, já que a história possui uma série de reviravoltas e tempos se desenrolando, mas nada consegue ser interessante durante uma hora e trinta e sete de exibição. A sensação é que todas as investidas acabam falhando e o resultado é uma grande decadência que apela para os absurdos da narrativa, tentando capturar a partir de suas próprias falhas, no fim, sobram tantos vácuos que a coisa toda não faz sentido. Por mais que “Vida de Doleiro” proponha essa mediação com a comédia, dificilmente a trama vai empolgar algum desavisado que decida se aventurar na última reprodução do gênero. Comumente, histórias desse tipo possuem enredos um tanto mirabolantes, e o filme de Veiroj não foge à regra, mas parece mais preocupado em conseguir arrancar algum sorriso desajeitado a cada cena, do que desenvolver seus personagens para encontrar seus absurdos de surpresa. O resultado é uma grande previsibilidade em um produto que deveria te surpreender a cada passagem.
A esquemática aqui não é necessariamente saber o que vai ocorrer, mas como. Pois tudo é enlatado nesse arquétipo que o cinema argentino vem desenvolvendo nos últimos anos, logo, o que era para fomentar obras com alguma inventividade, na atmosfera, na linguagem ou mesmo no humor, tornou-se um grande depósito de reflexos. Visualmente a coisa até impressiona, como é comum em outras obras de Veiroj, que faz um grande esforço para se distanciar um pouco do que sua cinematografia já nos entregou, e acaba se situando no lugar comum. É importante frisar que a construção visual é bem bonita e até chega a maquiar um pouco a confusão generalizada do restante, porém é insuficiente quando cada reviravolta do roteiro, recheado de diálogos com pouco sentido, a experiência se torna cada vez mais cansativa e repetitiva. A maneira como a direção consegue utilizar a iluminação para seccionar os espaços em um único plano, faz com que essa beleza não seja inócua, há um propósito claro. Porém, no fim, “Vida de Doleiro” procura se distanciar do clichê para expandir particularidades de seu protagonista, explorando seus dramas e pataquadas a fim de encontrar um fim que esteja de acordo com os demais momentos. Talvez ali, alguns espectadores comecem a gostar da coisa.
Quando levamos em consideração o que foi exibido durante a 15ª CineBH, o longa do Uruguai, Argentina e Alemanha é um ponto fora da curva na Mostra Internacional Contemporânea, e provavelmente o mais baixo, que mostra parte do que o cinema latino-americano vem fazendo para importar alguns filmes. A investida possui seus méritos, mas existe uma saturação que está expondo uma grande quantidade de questões a serem trabalhadas quanto a sátira encontra a política de revesgueio. De certa forma, são obras que se debruçam em campos morais na intenção de criar sua estranheza a partir das quedas dessas “referências culturais”. Até funciona ocasionalmente.
“Vida de Doleiro” é de uma chatice retumbante e é um ansiolítico daqueles. Ainda existe algum interesse na obra de Veiroj, isso aqui não mancha tanto assim.