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Vermiglio – A Noiva da Montanha

Não apenas trágico, cruel

Por Vitor Velloso

Festival de Veneza 2024

Vermiglio – A Noiva da Montanha

“Vermiglio – A Noiva da Montanha”, de Maura Delpero, é um filme que se distancia das demais produções contemporâneas na medida em que compreende distintas formas de estruturar sua história, trabalhando com uma abordagem que procura inserir elementos normalmente escanteados no desenvolvimento, como as fofocas, os sussurros, as perspectivas infantis e o impacto dessas narrativas, opiniões e repercussões na vida de seus personagens e no local onde moram.

Por essa razão, parte de seu ritmo pode ser compreendida como um lento processo de combustão, pelas beiradas, a partir dos gestos e olhares. Essa cadência, sem nenhuma pressa e sem objetivo claro, pode afastar o espectador da história central em um primeiro momento, mas a composição imagética de “Vermiglio – A Noiva da Montanha” é tão poderosa, ainda que com uma intensidade comedida, que não precisa conquistar o espectador por sua força ostensiva, e sim por meio da relação direta entre os personagens, objetos etc. com o espaço do enquadramento. Trata-se de uma noção espacial de síntese: de entender a força da imagem e como as molduras dessa representação podem ser os próprios objetos, suas sombras e um recorte dentro desse universo. A fotografia, assinada por Mikhail Krichman (que também assina a direção de fotografia de “Leviatã”, 2014 e “Loveless”, 2017), consegue traduzir não apenas as particularidades dessa região — o frio extenuante —, mas também como a morte e a memória parecem espreitar cada relação ou história, seja ela transmitida por meio da imagem ou pela oralidade.

À medida que o longa avança, a sensação de que as personagens estão presas a uma inevitabilidade — seja imposta por suas circunstâncias concretas, seja por um destino moldado pelo conservadorismo — se intensifica como um rolo compressor. Essa percepção, acessível apenas ao espectador em sua totalidade, torna-se cada vez mais opressiva e contribui significativamente para a ideia de uma tragédia moldada por uma marcha fúnebre, mesmo em seus respiros breves. Não por acaso, o espectador sai da projeção de “Vermiglio – A Noiva da Montanha” exausto, por perceber como diferentes formas de opressão vão se capilarizando na vida das personagens e como as mudanças drásticas vão se formando a partir das diferentes maneiras pelas quais as histórias são contadas e percebidas. Nesse sentido, é uma obra tão cerebralmente construída, monumentalmente planejada para funcionar através da forma, que o drama parece perder parte de seu horizonte, já que esses pequenos dispositivos não apenas tomam lugar de destaque, como passam a ser o único motor do filme — um ponto formal que movimenta todo o restante. Essa característica faz com que essa racionalidade acabe engolindo o desenvolvimento dramático, forçando o longa a um lugar de dureza com seus próprios personagens e relações, quase se distanciando para fazer funcionar essa esquemática.

Maura Delpero consegue realizar um dos filmes mais intrigantes, estética e narrativamente, distanciando-se dos desenvolvimentos padrão da indústria ou do que costuma ser visto em festivais de cinema. Contudo, essa construção acaba se engessando e soa quase mecanicista para funcionar, retirando parte da força do projeto.
“Vermiglio – A Noiva da Montanha” possui algumas belas composições, frames realmente marcantes, um desenvolvimento que tem momentos fascinantes e que pode impressionar parte dos espectadores. No entanto, sua concepção, dependente desses gatilhos e dispositivos, torna o longa uma mistura ambígua de ousadia e formalismo protocolar — ousado por propor uma abordagem distinta, mas protocolar por se prender demais a essa forma única de representar a história, criando uma sensação de estagnação, especialmente por conta da própria forma.

Delpero conduz conscientemente esse jogo de imagens e narrativas, conseguindo estruturar um universo sombrio e opressor que funciona como uma obsessão de vontades, energias e vitalidades. Com a fotografia de Krichman, “Vermiglio – A Noiva da Montanha” constrói algo que não é apenas trágico, mas cruel. A abordagem vai minando as sensações e as esperanças por mudanças em vidas tão parecidas, programadas e podadas. Os julgamentos se acumulam e vêm de diferentes direções, criando uma claustrofobia crescente que, com o desenho sonoro, gera a noção de uma vileza presente nos pequenos detalhes — ou mesmo de certa inocência, mas atravessada por forças negativas.

O projeto tem muitos méritos e merece todo o destaque que recebeu no Festival de Veneza e no Oscar, mas sua consciência formal pode ser um grande impeditivo para parte dos espectadores — não por falta de eficiência, e sim por sua rigidez.

4 Nota do Crítico 5 1

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