A jornada cruel da perda de uma inocência
Por Fabricio Duque
Sundance Film Festival 2018
Exibido no Festival de Sundance 2018, “Verão de 84” (2018) é um filme de gênero que invoca a atmosfera dos anos oitenta para criar um thriller adolescente à moda conjugada de “Super 8”, de J. J. Abrams, com “Paranoia”, de D. J. Caruso. Toda modulação acontece por uma ambiência referencial de Stephen King com Dário Argento. Podemos inferir características marcantes de “It” e “Conta Comigo” e também de “Suspiria”. Mas é inevitável que se perceba explicitamente versões narrativas do seriado “Stranger Things”. Sim. Só que é muito mais uma saudação que uma cópia, por causa da construção sensorial de suspense presente, principalmente pelo elemento da música, que reconstitui nostalgia com realismo coloquial, complementada de forma irretocável pela trilha-sonora à moda de John Carpenter.
“Verão de 84”, dirigido a seis mãos amigas, Anouk Whissell, François Simard, Yoann-Karl Whissell, que trabalharam juntos no longa-metragem anterior, “Turbo Kid” (2015), que terá uma continuação (já em pré-produção). Aqui, os roteiristas estreantes Stephen J. Smith e Matt Leslie corroboram os arquétipos da época: adolescentes no verão, que, com tédio e muito tempo, alimentam a fertilidade de suas mentes, assim enxergados pelos adultos, ausentes e ocupados, deixando seus filhos livres sem observar suas “aventuras”. Quem não se lembra de “Curtindo a Vida Adoidado” e ou “Mulher Nota 1000”. E principalmente “E.T. O Extraterrestre”, de Steven Spielberg, que é mencionado como modelo de sucesso a ser seguido.
O filme é uma homenagem aos amantes dos filmes de gênero, por uma câmera que conduz um suspense coloquial, especialmente por sua fotografia cinéfila de aproximações de câmera, silêncios registrados e elipses. São instantes captados em um subúrbio “onde tudo pode acontecer” e seu “vizinho pode ser um serial killer”. Somos aprisionados em sustos não clichês. A direção é madura e sóbria, até mesmo quando se utiliza de artifícios facilitadores, porque é impossível fugir dos gatilhos comuns neste tipo de filme.
“Verão de 84” é também sobre a intuição e sobre fazer o certo. Em ser um herói altruísta contra monstros mascarados socialmente. É muito Stephen King e “o medo é seu melhor companheiro”, porque o mestre do terror consegue traduzir como ninguém as deturpações de caráter que todo e qualquer ser humano possui. Ninguém está à salvo da mente alheia e da própria. Viver em comunidade é conviver com o perigo de perto à espera de modificações de humor do outro.
É o lema do acreditar até que se prove o contrário. Isso para os adultos. Com os pré-adolescentes, a questão é diferente. Rebeldes e vulneráveis por natureza, eles aprenderam a sobreviver dentro de suas bolhas, expandindo imaginações e dramas. E é talvez por isso que nos filmes os jovens conseguem fugir da morte com suas lógicas invertidas e desprezadas.
O longa-metragem é muito mais que uma contemplação temporal de um períodos das férias escolares de Davey (Graham Verchere) e os amigos do bairro Tommy (Judah Lewis), Woody (Caleb Emery) e Curtis (Cory Gruter-Andrew). E a possibilidade que o assassino tem de aumentar a lista de suas vítimas. “Verão de 84” acorda e expõe o que mais perturbador há no mais íntimo dos indivíduos sociais, contada por momentos casuais de zombaria cúmplice e de picardias sexuais entre amigos, que se completam na unida missão máxima de encontrar o matador. Mas há algo mais incômodo. Esses adultos despreocupados (com o sumiço dos outros filhos), pais, “protegem” suas crias apenas em condicionadas frases prontas.
“Verão de 84” aterroriza pela percepção de um mundo sombrio e perdido entre gerações. E por acrescentar a metáfora baseada na Guerra Fria, em que o país ficou sem perspectivas, estagnados em uma resignação do sonhar, personificado na figura do possível suspeito imaginado pelos pré-adolescentes, o policial Wayne Mackey (o ator Rich Sommer, do seriado “Mad Men”).
A história é acima de tudo uma ode ao amadurecimento. Um confronto à inocência da fantasia quando a realidade assalta com sua crueldade típica, sem suavização e sem comiseração. Não há mais volta. A ingenuidade não mais os pertence. O olhar muda, os deixa mais alertas. Mais culpados. E menos vivos para finalmente seguir em frente esperando próximos acontecimentos. É a jornada real de um adolescente em um homem, um novo arquétipo e uma nova fase. “Nunca mais ninguém será o mesmo”, finaliza aprendendo a “fechar as cortinas” para esconder a intimidade em um “Verão de 84”.