Vengeance Is Mine, All Others Pay Cash
Impotência e kung-fu
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Locarno 2021
“Vengeance Is Mine, All Others Pay Cash” chega como a obra mais impotente do festival. Para além do terrível trocadilho, o filme de Edwin é uma grande homenagem ao cinema de ação e utiliza os inúmeros clichês para construir uma narrativa sobre um homem incapaz de ter uma ereção, viciado em brigas, que se apaixona mas vê seus sonhos tomarem outro rumo porque… não sobe.
A irreverência do projeto está em sua diversão desmedida, assumindo o tacanho do gênero como uma fórmula para criar algumas situações genuinamente hilárias. Seja no estereótipo dos personagens (seu companheiro no caminhão ou o ex-durão) ou em breves elementos fálicos que tomam conta da tela, a exemplo dos animais que sobem e descem cuspindo água. Nos primeiros minutos, quando o absurdo se instala, e o espectador percebe que em pouco tempo já viu uma corrida por uma garrafa com dinheiro, um oral e um feto de animal oferecido como experimento para a cura da ereção, fica claro que poucas coisas vão caminhar da maneira convencional. E o romance segue a mesma ideia, com uma apresentação de casal que começa com uma briga de coreografia espetaculosa, trocando de cenário diversas vezes e com um CGI horroroso que salva os personagens da morte e os joga para uma situação menos desconfortável. “Vengeance Is Mine, All Other Pay Cash” é sobre isso.
Baseado no livro homônimo de Eka Kurniawan, o título estupidamente genial é uma extensão de diversas outras frases que aparecem durante o filme: “Não lembre do meu nome, apenas da sensação”, “Sozinho na rua e não bem-vindo em casa” entre outras. A vingança aqui toma uma proporção mais séria do que a primeira metade faz parecer, a própria razão da impotência é mais grave do que poderíamos imaginar, mas não existe tempo para o drama. Apenas lutas e declarações de amor estapafúrdias, com resoluções duvidosas, diálogos toscos e trocadilhos fálicos. Quando o elemento místico é colocado à prova, nenhuma lógica fica de pé diante de uma bicuda na cara. Parece uma frase ruim do “Cobra” ou uma fonte de “John Wick”, mas não, é a síntese do longa de Edwin.
Se gangues e traições estão envolvidas na história, as reviravoltas não poderiam fazer menos sentido, porém um roteiro bem amarrado não é a promessa aqui. A diversão é justamente seu pragmatismo nas soluções, em como a câmera não fragmenta a coreografia que agiganta o absurdo nos espaços, nos cortes dinâmicos que criam uma “tensão” sempre expansiva ou mesmo nas mortes hilárias que o destino promove. Aliás, a última cena de assassinato é brilhante e sem dúvida ficará na memória de alguns fãs do gênero. E a cena de abertura não fica para trás.
“Vengeance Is Mine, All Other Pay Cash” é uma mistureba saudável dos filmes de ação dos anos 70 e 80 com a estrutura clássica do faroeste, costurado na impotência do protagonista. E esse roteiro insano é assinado pelo autor do livro, que segundo o diretor, presta uma homenagem à produção cultural da Indonésia. Essa estrutura caótica cria um filme de vingança de kung-fu novelesco com romance brega, onde o romance aparece a partir de uma pancadaria sem sentido, com a bela declaração de amor de atirar uma moto contra o futuro marido. E a dinâmica entre Ajo Kawir (Marthino Lio) e Iteung (Ladya Cheryl) é algo cativante de se ver, não apenas por conseguirem captar a explosão amorosa a partir dessa destruição em massa, mas por conseguirem, mesmo à distância, criar uma relação que não se perde durante a progressão.
A trilha sonora é capaz de dimensionar a modernidade com o saudosismo, em uma pegada que agiliza a ação criando um espectro paródico ao mesmo tempo que é capaz de expandir o universo mitológico da obra. As memórias de seus personagens são sintetizadas nesse conjunto de dispositivos que formalizam uma mix de cenas que não esconde o passado autoritário, pelo contrário, assume a política como um dos recursos catalisadores desse drama de punhos e coração aberto.
Sem dúvida, uma das exibições mais particulares que Locarno terá.