Curta Paranagua 2024

Uma Noite Não é Nada

Uma Noite Não é NadaUma Noite Nao e Nada

Retrato de um país doente

Por Vitor Velloso

 

 

O texto ia começar com um pedido de desculpa por alguma agressividade que pudesse ferir a integridade da crítica, mas… não, não haverá inclinação à falsidade.

“Uma noite não é nada” (2016) é um retrato cirúrgico de uma sociedade que em tempos extremos atravessa a ética para concretizar seus moralismos. Alain Fresnot que assina a direção, demonstra com frequência sua incapacidade de articular uma história que não ofenda o espectador com a gangrena temática ou mesmo formal. Colecionando atrocidades na carreira, o diretor consegue impressionar o público com a irresponsabilidade que assume aqui, romantizando o estupro e a AIDS, o cineasta demonstra toda o pensamento colonizador diante de assuntos que afetam gravemente as vida de milhões de pessoas. A má intenção aqui é de uma barbaridade única. Quem for ao cinema será obrigado a ver pilhas de diálogos expositivos, normalmente terminados com um palavrão e/ou ofensa fora de contexto.

Enquanto o diretor busca uma cena que demonstra um jogo erótico entre os protagonistas, Agostinho (Paulo Betti) tenta estuprar Márcia (Luiza Braga). O tratamento dado a Márcia é de uma unilateralidade tamanha, ela é estereotipada como a garota drogada que torna a provocar o professor constantemente, demonstra algum apreço pela perseguição doentia que o mesmo faz a ela e sente algum prazer na obsessão que há. Já Agostinho é um professor que arranca o filtro do cigarro antes de fumá-lo, é obsessivo e quer a todo custo transar com sua aluna.

Descrever a ausência de material aqui é inútil, porém, o processo é tão doentio que assistir ao filme torna-se uma grave imolação. E se os adjetivos são inúmeros aqui, é pela ofensa causada na sessão de “Uma noite não é nada”.

Se formalmente pudéssemos ser recompensados de alguma maneira, teríamos um Noé, Almodóvar ou Lars Von Trier, que impõe ao espectador suas visões, no mínimo, problemáticas (o eufemismo é para evitar exaltações), porém, Fresnot utiliza da linguagem para que haja um flerte mórbido e moralista com as temáticas aqui presentes, que justificará qualquer futura nota de repúdio à produção.

A fotografia de “Uma noite não é nada” é tão óbvia em sua intenção, que desenha-se como uma muleta criativa, retirando a vida da imagem para demonstrar a melancolia da situação. A montagem faz seu trabalho objetivo em estruturar a narrativa ao desfecho doentio. O som cumpre o papel de manter-se fora da atenção do público, pois não há o que ser enaltecido. A verdade é que o projeto não sai da bolha mal intencionada que se inicia, escolhendo seu caminho volátil da defesa do indefensável. Utilizando a verve cinematográfica com os trejeitos televisivos e formalizando a vulgaridade da misoginia à seu bel prazer. Se todos os moralismos não fossem o suficiente, o corpo feminino é exposto ao máximo aqui, com cenas de nudez que visam única e exclusivamente ferir a figura de Márcia e deslocá-la ao obsceno.

Em um momento específico vemos Agostinho forçar uma penetração com o dedo, enquanto a mulher está desacordada com suas doses de heroína. Em outro, seu seio fica à mostra, após a tentativa de estupro, seguida de uma agressão. E a naturalidade que Fresnot filma tais cenas, comprova seu apelo abusivo da imagem e da história.

Paulo Betti compõe um personagem desprezível e sua interpretação não se distancia do texto, sendo óbvio em todas suas expressões. Luiza Braga não parece confortável no papel, consegue transmitir parte da desolação que vive, mas utiliza diversos recursos fáceis para atingir tal sentimento.

“Uma noite não é nada” é a caracterização de um problema social, que decide nunca abordá-lo, pois coragem lhe falta, ou conhecimento do mesmo. A prova disso são as cenas filmadas na periferia, retratadas de maneira desrespeitosa e como quem desconhece cada esquina. Não à toa, o moralismo reina, pois na falta do discurso, a categorização da cultura,  fala mais alto. Seu problema não é, apenas, tentar simplificar a temática, mas tratá-la de maneira romantizada. São quase 180 estupros por dia no Brasil, não há beleza nisso. E tentar estetizar uma pessoa que está morrendo, simplesmente porque a visão eurocêntrica e romântica impera, é no mínimo desrespeito.

1 Nota do Crítico 5 1

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