Uma Batalha Após a Outra
A construção estrutural do tempo
Por Fabricio Duque
Se a maestria da construção cinematográfica está em sua própria existência naturalizada do resultado, numa narrativa que não nos permite a definição estrutural, tampouco a formalidade da tradução, então podemos dizer que o cinema que Paul Thomas Anderson se faz pela invisibilidade do sentir, do abstrato personificado em tela, com seus tempos entre tempos, surreais, mas também do coloquialismo possível. Sim, é um cinema estranho de início, com ares mais artificiais, mais de automações performatizadas. Cada reação vem primeiro do silêncio e da hesitação do agir para só assim fazer que suas personagens entendam que precisam seguir adiante. O cinema de PTA também é sobre existências compartilhadas e “negociadas” no social.
Diferentemente de seus filmes anteriores, mais de intimidades expostas, ainda que com a busca do final feliz, este, “Uma Batalha Após a Outra”, acontece pela catarse, pelo sentimental passional, pela violência ideológica. Cada personagem cansou da vertigem da submissão e assim como Neo, de “Matrix”, toma a pílula vermelha e parte para a revolução. É, este longa é explosivamente revolucionário (que cita explicitamente “A revolução não será televisionada” e “A Batalha de Argel”), com um que bem puxado de Tarantino, especialmente na mistura de “Pulp Fiction” com o blaxploitation de “Jackie Brown”, sem obviamente esquecer de todo o tom Martin Scorsese de ser, principalmente por também se desenvolver por conversas casuais, estas que ditam propósitos e explicam necessidades.
“Uma Batalha Após a Outra” é também essencialmente político. Uma crítica às punições do Presidente dos EUA Donald Trump contra os imigrantes. Que quer fazer uma “America grande e pura de novo”. Aqui, este filme, de núcleos nulos, pariados e atravessados no absurdo mais que possível, numa sociedade polarizada na superfície dos argumentos, quer ser uma lente de aumento da loucura desse imaginário retrogrado, em que negros não tinham almas e mulheres serviam como propriedades. Não se sabe mesmo o momento que uma parte do mundo resolveu “voltar” e “abaixar o padrão”. É por isso que filmes como esse são tão importantes. Para construir toda essa mistura intensa, caótica e paradoxal, de surto-catarse coletivo e de tensão constante, paranoia, comédia ácida e um senso de caos perfeitamente orquestrado, Paul buscou ajuda e base no livro “Vineland”, escrito por Thomas Pynchon, e publicado em 1990, uma épica e delirante aventura pós-moderna ambientada na contracultura de uma Califórnia “dominada” por extra-conservadores, que mais parecem ficcionais e saídos de algum romance pós-apocalíptico de José Saramago. Mas tudo aqui acontece mesmo, e com vontade inquestionável, pela iminente força dos acasos e pelas ordens idiossincráticas de um chefe de governo mundial.
O longa-metragem não almeja apenas expor a fúria e a crise de uma América contemporânea pelo subtexto político, não, esta narrativa de ação e perseguição escolhida, “Uma Batalha Após a Outra”, quer é fazer a necrópsia de uma sociedade perdida, vindo muito pela trilha sonora de Johnny Greenwood e seus “socos de silêncio” (para intensificar o drama e a atmosfera) e pelas músicas de Travis Scott e Los Panchos. Tudo aqui é um espetáculo bruto, estético, irônico e pulsante. Essa tensão deixa o espectador em estado de alerta, com uma sensação de urgência constante, que existe sob vigilância mútua e sob um passado estrutural que tem que ser sempre revolucionário. Sim, como já disse, O cinema de PTA é sobre o tempo construído na necessidade sobrevivente da própria vida acontecendo, que não para e não deixa ninguém respirar entre um BO e outro. Há um plot: movimento intermitente de confusões que criam reviravoltas.
“Uma Batalha Após a Outra” é acima de tudo um estudo sobre nós mesmos. Sobre toda essa individualidade estimulada que precisa viver em grupo. Outra caraterística de Paul Thomas Anderson é o tom crescente de sua narrativa (como já disse nos parágrafos anteriores, mas quero reiterar), que nasce numa observação mais superficial até camadas tão complexas serem desencadeadas, até o limite em que a única solução é “partir para a violência”. Assim, quanto mais o filme anda mais encontramos um que mais esteticamente orgânico de um descolamento temporal, chegando a ser gore com seus sangues e tiros pirotécnicos, e especialmente pelo uso de blocking (a movimentação orquestrada dos atores) num visual de beleza cotidiana “suja”, esta que reflete um mundo inconveniente em que suas personagens transitam entre solidão, desespero e laços familiares quebrados, e muita das vezes “confrontados” pelas leis e regras de um país que “mais atrapalha que ajuda”.
A sensação que temos é que todos ali são estrangeiros, deslocados e que contraditoriamente “lutam” pelo pertencimento mesmo assim. É a famosa máxima da “grama do vizinho é sempre mais verde” e sempre oferece muito mais caminhos e possibilidades. Mas também repete os mesmos ciclos de conflitos. É como se vivêssemos em um “dia da marmota” ou numa “bola de neve”. Então, é bem difícil tentar traduzir “Uma Batalha Após a Outra” e/ou qualquer outra obra de PTA, porque são filmes que se conduzem na sinestesia, numa sensação etérea de realidade paralela e surreal que está na própria realidade nossa de cada dia. Sim, é bem complexo. Então, o melhor a se fazer é aproveitar todo o espetáculo cinematográfico ofertado e as interpretações mais que entregues de seus atores Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Benicio del Toro, entre tantos outros, visto que PTA trabalha com um elenco de peso.


