Mostra Um Curta Por Dia 2025

Um Minuto é Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo

A Deus ou adeus

Por Vitor Velloso

Assistido presencialmente na Mostra de Tiradentes 2025

Um Minuto é Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo

Com uma abordagem tão sincera quanto dolorosa, “Um Minuto é Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo”, de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, é uma obra que desafia o espectador a integrar-se ao universo de seu protagonista, também diretor do filme, Wesley, que sofre de uma angústia constante, diária e permanente. A estrutura, apresentada integralmente em primeira pessoa, mostra Wesley segurando a câmera o tempo inteiro, enquanto apresenta seu espaço domiciliar, animais de estimação, hábitos de leitura, cinefilia, desejos, frustrações etc. Trata-se de um mergulho profundo na personalidade de uma pessoa atormentada por um sentimento quase inexplicável, mas que se expõe ao espectador à medida que a projeção avança e temos acesso a diferentes momentos de sua vida.

Assim, a proposta de quebrar a linearidade temporal e não respeitar uma lógica progressiva funciona muito bem na montagem, assinada por Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, que constrói uma cadência disruptiva, pouco ortodoxa e, na maior parte do tempo, desconfortável. Não por acaso, a articulação dos momentos íntimos com as exposições teóricas de Wesley pode parecer um constante descompasso, mas estrutura uma carpintaria de intimidades, emulando os saltos de assunto presentes em suas falas e ações. O espectador presencia imagens como a de uma galinha no quintal da casa, Wesley urinando, dançando e escrevendo em seu diário, em uma sequência que tem menos a ver com a construção de sentido e mais proximidade com uma experiência particular, sem necessariamente uma finalidade em si. Diferentemente de outras obras em que a sensação de preciosismo estético parece imperar para fortalecer um consenso de apreciação e contemplação, “Um Minuto é Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo” não se preocupa em seguir padrões; pelo contrário, se distancia sempre que possível de qualquer zona de conforto ou representação tradicional.

Dessa forma, por mais que parte dos espectadores presentes no Cine-Tenda não tenha conseguido apreciar a experiência — algo perfeitamente compreensível —, a habilidade da obra em traçar uma constante disrupção e digressão de seu próprio ritmo é louvável. É quase uma afronta ao próprio status quo, tornando as repetições imagéticas — como ele urinando e escrevendo no diário — em momentos especiais, transitando entre a comédia e a permissão para que compreendamos suas angústias como um traço inerente de Wesley, nunca algo passageiro. Aliás, a coragem de expor tudo isso ao público, de forma desinibida e consciente, é um dos pontos que mais chamam atenção no projeto. Além da ousadia formal e da audácia dessa exposição, trata-se de um longa de uma vida e sinceridade como poucas vezes a Mostra Aurora presenciou nos últimos anos. Diferentemente da estagnação há tempos observada, o filme chega à Mostra com frescor, unindo registros costurados por uma montagem inteligente, que faz funcionar os diferentes ritmos e assuntos de cada nova sequência. Assim, conforme avançamos na obra, nos aproximamos cada vez mais de sua proposição estética: um filme maleável, capaz de se transformar, criar belas transições entre registros, embaralhar tempos reais e construir uma narrativa que nunca perde o ritmo — algo raro na maioria dos projetos.

Mais do que um exercício estético ou um experimento narrativo, o como uma experiência  emocional, em que a instabilidade se torna não apenas um traço da montagem, mas um reflexo da subjetividade do protagonista. O desconforto que o longa provoca não é por acaso, mas um elemento central de sua proposta, questionando a própria relação entre espectador e obra. Ao nos afastar das convenções e das expectativas tradicionais, Um minuto é uma eternidade para quem está sofrendo nos força a encarar o cinema como algo vivo, mutável e profundamente pessoal, reafirmando o poder do documentário como um espaço de risco e autenticidade.

“Um Minuto é Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo” é uma ótima notícia para o público que acompanha a Mostra Aurora e reforça a força dos documentários como o ponto mais consistente entre as produções exibidas na mostra mais importante do Festival de Tiradentes. A capacidade dessas obras, que trabalham com uma estética de registros erráticos, demonstra a força do cinema independente em se reinventar, mesmo com orçamentos mínimos ou quase inexistentes. E a beleza da obra é justamente se despir de qualquer tipo de amarra consensual estética, nem mesmo dentro de seus próprios trilhos, propondo constantemente uma reflexão estética de si e para si. 

4 Nota do Crítico 5 1

Deixe uma resposta