Um Crime Em Comum
Um desajuste entre-gêneros
Por Vitor Velloso
“Um Crime em Comum” de Francisco Márquez, presente no catálogo da Netflix, é um exercício de gênero bem consciente das decisões que toma. Criando uma representação da burguesia, utilizando-se do drama como uma base formal para um terror psicológico, o longa consegue manter um grau de tensão entre sua abordagem objetiva, enquanto contorna para um debate em torno de um mal-estar dessa classe dominante.
O barato caminha para um Khouri meio desajeitado, ou com o fluxo ditado entre o cinema da burguesia europeia e as últimas concepções estéticas latinas em torno de dramas e gêneros. A funcionalidade da narrativa depende diretamente do grau de interesse do espectador na trajetória subjetiva da protagonista. Do contrário, irá sentir as pálpebras pesando conforme a história “avança”, pois o sentimento norteador aqui é de uma suspensão da narrativa para dar lugar ao drama que molda o projeto. Nessa concepção a linguagem é articulada como um terror, mergulhando em uma melancolia que eleva um determinismo na “complexidade” que entrecorta a falta de objetividade.
Não à toa, “Um Crime em Comum” soa mais uma contemplação dramática com ares de terror e suspense que uma diretriz incisiva desse meio-termo. Ora o espectador sente como indecisão comprometedora, em outro momento pode creditar as belezas mais estóicas de um fluxo narrativo à essa suposta liga que remete aos polimentos de uma burguesia em seu mal-estar. Porém, o desinteresse pelo conformismo conservador de uma classe que está em profunda decadência, acaba sobrepondo as intenções estéticas do filme. Nem alguns ares eróticos com a falência repentina conseguem formular um ritmo que promova um engajamento direto. Tudo é suspenso, prosaico e cansativo demais. E os ares de uma América Latina construída nas ausências e dependências, não sustenta um barato de longos minutos deslocando seus personagens em planos fixos.
As relações dramáticas entre os personagens buscam uma volatilidade dos “Estranhos Encontros” mas sofrem em concretizar uma base para funcionar entre uns delírios de suspense. Francisco Márquez vai atrás de um sentimento do final de 90 e início de 2000, enquanto persegue uma simbiose dos gêneros, fragilizando um processo que se inicia em interesse e termina em uma genérica concepção da individualidade burguesa como um traço social que infere nas questões dramáticas de sua protagonista, que age a partir da própria contemplação da obra.
Essa melancolia que dita toda a estrutura de “Um Crime em Comum” se torna uma muleta formal para um agrado estético para a própria burguesia, que vê na linguagem um desenho classista para uma didática não totalizante. É uma espécie de movimento homicida da dialética, abraçando dualidades da própria burguesia em prol de uma sustentação estética. Um sacrifício que custa caro ao protótipo de uma mal-estar que encontra na política uma base para que haja crítica à classe. Aqui, o negócio se torna uma ode à longínqua cadência do quadro que a América Latina sintetizou nos últimos anos. Encontra correspondências interessantes em sua trajetória, mas satura com sua inclinação imediatista e pragmática.
A consciência se torna automatizada para alinhar-se com esse fluxo contínuo, que se fragmenta nos limites da tela à gosto da classe.
Elisa Carricajo é uma grande atriz que até formaliza algum grau de interesse nos acontecimentos internos da narrativa, mas o drama de sua personagem se confunde com a própria necessidade de um debate em torno de um mal-estar de chatice profunda. Acaba compondo alguns quadros de uma delicadeza mais afetuosa, com uma fatalidade na interpretação que alcança algumas exigências do filme, mas parece superar os feitos formais da obra.
“Um Crime em Comum” falha em caminhar ao lado de suas próprias intenções iniciais e acaba caindo em alguns recortes genéricos que pouco acrescentam à obra. Contudo, irá arrancar alguns comentários em torno da fotografia e de uma “beleza cinematográfica” única, que não traduz a realidade, apenas reflete o que a própria burguesia encontra em uma representação pouco usual de seu “mal-estar” que no terror, “floresce”.
Ou assume a decadência como a moral social.