Tudo Sobre o Festival de Cinema de Berlim 2023
Uma apresentação completa do festival berlinense, divididas por mostras, júris, filmes brasileiros e muito mais sobre o evento que se inicia amanhã (16) até 26/02
Por Fabricio Duque
Sim. É quase óbvio e lógico afirmar que o Festival de Berlim começa bem antes de suas datas oficiais. Para quem está cobrindo como imprensa, por exemplo, há todo um procedimento anterior que dura meses: credenciamento, emails-convites-divulgação de produtores e distribuidores, organização financeira da viagem em si… É comum e típico esse processo preparatório, especialmente neste ano de 2023, que ganha um sabor especial, por ser o retorno do Vertentes do Cinema, após dois anos de uma pandemia viral que assolou o mundo e pareceria não ter fim. Agora, sentindo-me bem mais seguro, decidi chegar um pouco antes em Berlim para sentir a cidade, mapear os lugares de alimentação (aqui é mais difícil encontrar lugares de comida “básica” – cadê os self-service da vida?); entender a nova rede de transporte (porque Berlim está totalmente em obras); e resolver toda a questão do fuso horário e clima (que causa em mim efeitos colaterais físicos – dor no nervo ciático, inclusive), visto que saí de 40 graus no Rio de Janeiro para a capital da Alemanha que marca -1 grau no dia de hoje (mas dias antes estava bem mais quentinha com 8 graus). O corpo sente. Toda essa experiência é muito sensorial e orgânica.
O Festival de Berlim 2023 também traz outra novidade: nosso mascote Bearliner, um ursinho punk tipicamente berlinense, que está com a gente desde 2020 e foi um grande amigo no período traumático do confinamento contra o COVID-19. Ele poderá vivenciar toda essa carga cinéfila deste festival, que possui como característica principal a sistemática organização de atender as demandas consequentes. A revista-programa oficial já está disponível e gratuita ao pública (mas as informações internas foram divulgadas por e-mail muito antes). Então, dessa forma, este site só poderia escrever esse Tudo Sobre aqui em Berlim, porque é realmente preciso a atmosfera para que se possa traduzir de forma mais fidedigna possível. Ontem por exemplo já começou a nova dinâmica do Festival de Berlim de retirada de ingressos. Desde o ano passado, por conta da pandemia, as reservas dos tickets são de modo online e não mais na tradicional fila que acontecia dentro do hotel Grand Hyatt Berlin. Até agora, tudo funcionando, salvo alguns que já entram esgotados no sistema.
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A edição 73 do Festival de Berlim, que no dicionário casamenteiro significa Bodas de Manjerona, esta “uma erva aromática originária da Turquia que prospera em climas secos e ensolarados”, costuma não surpreender em sua curadoria. Há anos o festival se mostra como um tradicional representante do mainstream high level Cinema mais independente (aquelas obras mais autorais de novos cineastas e até os dos mais veteranos). Outro ponto é que a Berlinale (nome alemão do Festival de Berlim) não tem medo de trazer temáticas de lutas políticas-sociais. “A Força da Berlinale ensina trazer junto diferentes perspectivas. Muito mais que a soma desses filmes, um festival é também sobre os espaços entre exibições e os encontros que preenche isso com significados. No conjunto desse programa, nós olhamos para essa catalizadora e revolucionária noção de Cinema, que une mesmo quando divide. Os filmes tentam relocar uma realidade com outra, que está mais em harmonia com nossos desejos, e têm a coragem para afirmar um ponto de vista, mesmo quando isso vai contra o fluxo”, explica o italiano Carlo Chatrian, Diretor Artístico do Festival.
Outro exemplo desse olhar mais propositalmente caseiro, de viés quase amador, é a arte do cartaz oficial do Festival de Berlim 2023, que quer reiterar essa alma genuína em mitigar completamente as hierarquias e conversar diretamente com os espectadores. Aqui, o público participa das decisões sobre os filmes, visto que são eles o “material bruto” e a “demanda” do festival. A diretora executiva Mariëtte Rissebbeek diz que é preciso ouví-los e tenta traduzir isso: “O público da Berlinale é particularmente curioso. Eles estão sempre abertos para novas sugestões e para trocas de ideias. Tanto que o design do poster deste ano os coloca no centro do palco.”
Outro ponto. O júri da Competição Oficial anunciado também é sempre uma surpresa. Nas cabeças, temos a atriz norte-americana Kristen Stewart (a Bela de “Crepúsculo”) como Presidenta, seguido da atriz iraniana-francesa Golshifteh Farahani (de “Paterson”); a diretora-roteirista alemã Waleska Grisebach; o realizador romeno Radu Jude (que venceu o Urso de Ouro de Melhor Filme em 2020 com “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”); a diretora de elenco e produtora norte-americana Francine Maisler (de “Birdman” e “Ela Disse”); a diretora catalã Carla Simón (que venceu o Urso de Ouro de Melhor Filme em 2022 com “Alcarràs”); e o diretor chinês de Hong Kong Johnnie To (de “Vingança”). Serão votados oito categorias: Urso de Ouro de Melhor Filme (prêmio dos produtores); Urso de Prata Grande Prêmio do Júri; Urso de Prata de Melhor Diretor; Urso de Prata de Melhor Atuação Protagonista; Urso de Prata de Melhor Atuação Coadjuvante; Urso de Prata de Melhor Roteiro; e Urso de Prata de Melhor Contribuição Artística. Nenhum dos Bears pode ser premiado ex aequo. O Júri não pode atribuir mais do que um prêmio ao mesmo filme, exceto no caso dos prêmios de atuação. O site do festival adiciona que “nos últimos anos, personalidades internacionalmente reconhecidas do mundo do cinema como James Schamus, Wong Kar Wai, Mike Leigh, Isabella Rossellini, Werner Herzog, Tilda Swinton, Darren Aronofsky, Meryl Streep e Paul Verhoeven foram convidados para presidir o júri.”
Além da Competição Oficial, há mais 24 categorias de prêmios a serem distribuídos. Encounters, Curtas-Metragens, Séries, Melhor Primeiro Filme, Melhor Documentário, Mostra Geração Kplus e 14plus, além dos Prêmios Fipresci (da Crítica Internacional, que este ano conta com o crítico brasileiro Marcelo Janot como um dos jurados da Competição Oficial, junto de Nirmal Dhar e Inge Coolsaet), Mostra Panorama, Mostra Perspectiva Alemã, Readers, Ecumênico, Teddy Awards (Queer LGBTQUIA+), entre outros. O júri da Mostra Encontros, que conta com a diretora da Georgia Dea Kulumbegashvili; o curador italiano Paolo Moretti; e a atriz grega Angeliki Papoulia, serão escolhidos Melhor Filme, Melhor Diretor e Prêmio Especial do Júri. Já o júri de Curtas-Metragens, composto pelo montador romeno Cătălin Cristuțiu; o videoartista americano Sky Hopinka (com foco nas experiências de vida dos indígenas); e a alemã diretora e matemática Isabelle Stever, anunciarão o Urso de Ouro de Melhor Curta, o Urso de Prata Prêmio do Júri de Melhor Curta e o Melhor Curta Berlinense, candidato ao European Film Awards.
Para a escolha de Melhor Documentário, o júri, composto pela diretora artística franco-suíça Emilie Bujès; a produtora colombiana Diana Bustamante; e o realizador da Escócia/Irlanda do Norte Mark Cousins, escolherão entre os 20 documentários das seções Competition, Berlinale Special, Encounters, Panorama, Forum, Generation e Perspektive Deutsches Kino. O prêmio em dinheiro será dividido entre o diretor e o produtor do filme vencedor. E talvez, um dos mais importantes, o GWFF Best First Feature Award (Melhor Primeiro Filme), o júri (a curadora francesa do Centre Pompidou Judith Revault d’Allonnes; a crítica e diretora egípcia Ayten Amin; e o realizador suíço Cyril Schäublin) deste prêmio terão trabalho para escolher entre 19 estreias na direção de longas-metragens das seções Competição, Encontros, Panorama, Fórum, Geração e Perspektive Deutsches Kino. Mais informações dos júris aqui.
No 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, a diretora de fotografia Caroline Champetier será homenageada com a Berlinale Camera, que escolheu o filme “Os Inocentes”, de Anne Fontaine, para o qual fez a fotografia. O filme será exibido após a Cerimônia de Premiação como parte do Berlinale Special. A Berlinale Camera é premiada desde 1986. Até 2003, ela foi doada pelo joalheiro berlinense David Goldberg. De 2004 a 2013, Georg Hornemann Objects, um ateliê com sede em Dusseldorf, patrocinou o troféu, que o ourives Hornemann redesenhou para a Berlinale em 2008: Modelada em uma câmera real, a Berlinale Camera agora tem 128 componentes finamente trabalhados. Muitas dessas peças de prata e titânio, como a cabeça giratória e o tripé, são móveis.
Mas vamos ao que realmente importa: os filmes brasileiros selecionados para o 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim. Neste ano, a safra ofertou poucos títulos. Infelizmente nenhum na Competição Oficial, nem mesmo alguma co-produção, tampouco na Berlinale Special, na Berlinale Series e na Mostra Encounters (Encontros). Nossos filmes estão na Mostra Berlinale Shorts (Curtas-metragens) com “As Miçangas”, de Rafaela Camela e Emanuel Lavor, que tem Karine Teles no elenco, no programa Berlinale Shorts IV, e assim concorre ao Urso de Ouro. Na Mostra Panorama, temos o longa-metragem “Propriedade”, de Daniel Bandeira, um modernizado e exemplar faroeste social do Brasil. Na Mostra Forum, nosso representante é o longa-metragem “O Estranho”, de Flora Dias e Juruna Mallon, exibido para produtores em sessão fechada na Mostra de Cinema de Tiradentes 2023, vencendo com o Prêmio O2 de Melhor Filme. Porém, o grande momento esperado é a exibição da cópia restaurada de “Rainha Diaba” (1973), de Antonio Carlos da Fontoura, na Mostra Forum Special, que este ano “explora as áreas marginais da História do Cinema”, trazendo a liberdade Queer interpretada por Milton Gonçalves.
Nós temos também filme brasileiro na Mostra Geração 14Plus: o curta-metragem “Infantaria”, de Laís Santos Araújo. E para encerrar, não menos importante, a Mostra Perspectiva Alemã traz o média-metragem concorrente da PDK (Perspektive Deutsches Kino) dentro da Kisses and Battles (Beijos e Batalhas), “Ash Wednesday”, dos brasileiros radicados em Berlim, João Pedro Prado e Bárbara Santos, que tem nacionalidade alemã, mas é falado em português com atores brasileiros.
Sim, logicamente, visto o mundo de hoje, o Festival de Berlim 2023 gerou polêmica quando fez uma curadoria de filmes conceituados na Mostra Retrospectiva Young at Heart – Coming of Age at the Movies, sobre filmes que “abordam a juventude e o crescimento à fase adulta”, disse Rainer Rather, diretor artística da Cinemateca Alemã. Tem de tudo. De Maurice Pialat com “À Nos Amours” a “Curtindo a Vida Adoidado”, de John Hughes, passando por Jean-Claude Brisseau, Satyajit Ray, Werner Herzog, Abbas Kiarostami, Peter Bogdanovich (com “A Última Sessão de Cinema”), Nicholas Ray, Agnés Varda, Elia Kazan, Francis Ford Coppola, Nagisa Õshima, Vera Chytilová, Sofia Coppla (com “Virgens Suicidas”). E onde está a polêmica? Alguém encontrou alguma coisa? Enfim.
Talvez a polêmica maior deveria ser a homenagem ao cineasta Steven Spielberg, que receberá o prêmio Honorário Urso de Ouro por sua carreira, que completa 60 anos com mais de 100 filmes e indicado 19 vezes ao Oscar. Em 1998, Spielberg recebeu a Ordem de Mérito da República Federal da Alemanha por “Lista de Schindler”. O Festival de Berlim 2023 exibe 8 filmes do diretor, incluindo seu mais recente “Os Fabelmans”.
Ufa! Sim, mas a Berlinale não é só isso. Há as coletivas de imprensa que “ajudam” (às vezes “atrapalham”) a entender os filmes, há o mercado cinematográfico, há os encontros com colegas críticos, há as entrevistas, há os Talents (talentos) e lógico há as novidades e surpresas que só acontecem durante o festival, este que por sua vez, faz com que soframos com a “crueldade” das obras ofertadas (algumas impossíveis de encaixar na agenda de nossa cobertura). Pois é, faz parte. Quanto mais coisa, mais trabalho para definir nossas escolhas. Há também um fator muito importante: nós somos humanos sociais com preferências já definidas. Nossos gostos são particulares e peculiares. O que é essencial para um, para outro chega a ser descartável e desinteressante. Nós, por exemplo, esperamos ansiosamente pelo novo Hong Sangsoo, pelo novo Ira Sachs, pelo novo Philippe Garrel, pelo novo Christian Petzold, pelo novo Guy Nattiv, pelo novo Franz Rogowski, pelo novo Jafar Panahi (por Sreemoyee Singh), pelo novo da Susana Nobre, enfim, tudo isso torna nossa programação ainda mais difícil, até porque se algum filme for perdido nas Sessões de Imprensa, seremos obrigados a nos locomover a outros cinemas. Sim, nós aceitamos por amor incondicional a esta arte, que em nossos corações não é a sétima e sim a primeira. E para concluir, a tradição do Vertentes do Cinema é sempre focar na Competição Oficial. Sempre.
E hoje, um pouco mais tarde, quase daqui a 4 horas, acontecerá a primeira sessão do Festival do Rio 2023, filme integrante da Mostra Berlinale Special, “She Came to Me”, da diretora Rebecca Miller (de “A Vida Íntima de Pippa Lee (ou Vidas Cruzadas)“, que não traz mais nas costas a responsabilidade de ser filha do dramaturgo Arthur Miller de “A Morte do Caixeiro Viajante” e “As Bruxas de Salem”, tampouco a de ser casada com o ator Daniel Day-Lewis. O filme em questão aqui está sob embargo. A crítica só poderá mesmo sair amanhã. Acompanhe nossa cobertura!
A seguir, a lista completa dos filmes da Wettbewerb (Competição Oficial em alemão):
*20,000 Species Of Bees (20.000 especies de abejas, Espanha), de Estibaliz Urresola Solaguren
*Art College 1994 (China), de Liu Jian
*The Shadowless Tower (白塔之光, China), de Zhang Lü
*Afire (Roter Himmel, Alemanha), dir. Christian Petzold
*Bad Living (Mal Viver, Portugal-França), dir. Joao Canijo
*BlackBerry (Canadá), dir. Matt Johnson
*Disco Boy (França-Itália-Polônia-Bélgica), dir. Giacomo Abbruzzese
*Ingeborg Bachmann – Journey Into The Desert (Ingeborg Bachmann – Reise in die Wüste, Alemanha-Suíça-Áustria-Luxemburgo), dir. Margarethe Von Trotta
*Limbo (Austrália), dir. Ivan Sen
*Manodrome (Reino Unido), dir. John Trengove
*Music (Alemanha-França-Sérvia), dir. Angela Schanelec
*On The Adamant (Sur l’Adamant, França-Japão), dir. Nicolas Philibert
*Past Lives (EUA), dir. Celine Song (Sundance premiere)
*Someday We’ll Tell Each Other Everything (Irgendwann werden wir uns alles erzählen, Alemanha), dir. Emily Atef
*Suzume (Japão), dir. Makoto Shinkai
*Till The End Of The Night (Bis ans Ende der Nacht, Alemanha), dir. Christoph Hochhäusler
*The Plough (Le grand chariot, França-Suíça), dir. Philippe Garrel
*The Survival Of Kindness (Das Überleben der Freundlichkeit, Austrália), dir. Rolf de Heer
*Totem (México-Dinamarca-França), dir. Lila Avilés
1 Comentário para "Tudo Sobre o Festival de Cinema de Berlim 2023"
Quero saber tudo pelo meu interesse no filme LIMBO, e pela atuação de Simon Baker, o qual admiro muito!