Tudo Sobre o Festival de Cannes 2024
Uma apresentação sobre as ansiedades, os bots, a cinefilia e todas as movimentações geradas pelo maior festival do mundo
Por Fabricio Duque (direto de Cannes)
Todo novo ano do Festival de Cannes digo que controlarei a ansiedade. Que conseguirei me organizar melhor. Que lidarei com tranquilidade principalmente no início, período este que é gerado o caos devido a instabilidades do sistema de retiradas de ingressos. Sim, cada um credenciado da imprensa precisa pegar os tickets dos filmes quatro dias antes do festival (10/05) começar, sempre às sete horas da manhã, mas não é tão simples, porque a quantidade de acessos ao mesmo tempo na plataforma do site é tão grande (e também pela gigante quantidade de bots), que na maioria das vezes às 7:01 os ingressos já estão esgotados. Isso sem dúvida desestabiliza qualquer budista mais preparado com a chamada “ansiedade do sofrer antes do tempo”. E esse “book complete” acontece com todo mundo, até mesmo com quem faz os bots (só para vocês entenderem: um bot é um software programado para realizar certas tarefas automatizadas, executado com instruções, como por exemplo atualizar uma página e fazer um “book”. Não é uma prática ilegal, apenas antiética. O próprio Festival de Cannes não pode fazer nada visto que bots não hackeiam sistemas. Assim, um único usuário com bot consegue pegar todos os ingressos do dia e muitos outros ficam sem nenhum. É justo? Não. Lei da Sobrevivência? Também não.
Outro fator que aumenta nossa “adrenalina negativa”, causando inclusive a baixa da imunidade e a reação de inúmeras modificações físicas e colaterais de nossa saúde é a questão financeira. Não se sabe se é um efeito das Olimpíadas de Paris (visto que a tocha olímpica passará por Cannes pelo atleta paraolímpico francês Arnaud Assoumani) e/ou uma recessão da Europa e/ou oportunismo capitalista (este por entender que se pode cobrar o que quiser – sem noção de realidade – devido à necessidade das pessoas de estarem em Cannes para o festival), mas os preços estão exorbitantes. Tanto do aluguel dos apartamentos e suas taxas locais, quanto das comidas. Por exemplo, gastei quase o dobro do ano passado no supermercado e com menos compras. Preciso confessar que para este Festival de Cannes, quase não consegui vir, mesmo com a tradição de sempre dividir com Pablo Villaça. Preciso inclusive dizer que até um empréstimo “entrou na conta”. Ainda que a campanha do PIX tenha ajudado. E neste momento, agradeço a cada um que colaborou. Muito obrigado!
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O parágrafo anterior nos leva a uma discussão. De que o trabalho dos jornalistas brasileiros não é reconhecido pelo seu próprio país. De que produzir conteúdo sobre e em Cannes está mais e mais irrelevante. De que muitos “seres” da imprensa não recebem nada (e ainda “colocam dinheiro para trabalhar”) de seus veículos de mídia master e que estão aqui por total amor ao cinema. Isso é justo? Não. Pois é, a pergunta que fica no ar: Por que o Festival de Cannes não mais interessa? Mesmo tendo nesta edição seis filmes em mostras importantes (e mais um de relevância internacional): Karim Aïnouz com “Motel Destino” na Competição Oficial a Palma de Ouro (leia a matéria aqui); Marcelo Caetano com “Baby” na competição da Semana da Crítica; André Hayato Saito com “Amarela” na Competição Oficial de Curtas-Metragens; Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha com “The Falling Sky” na competição da Quinzena dos Cineastas (Directors Fortnight); Valentina Homem com “A Menina e o Pote” na competição de curtas-metragens da Semana da Crítica; Carlos (Cacá) Diegues com “Bye Bye Brasil” na sessão de Clássicos Restaurados; e “Lula” de Oliver Stone, que apesar de estrangeiro tem um importante personagem político de nossa pátria?
É, pois é, nós jornalistas que estamos no Festival de Cannes deveríamos fazer um manifesto. Uma carta de pontos, necessidades e benefícios. Para que assim nenhum de nós precise passar por todas as limitações financeiras de nossos orçamentos próprios. Aqui este ano temos 29 veículos de mídia brasileira, que eu faço questão de listar cada um, inclusive seus 34 representantes: Paulo Ernesto (Adoro Cinema); Flavia Guerra e Marco Altberg (Canal Brasil); Guilherme Jacobs (Chippu); Camila Henriques (Cine Set); Fabiana Lima (Cinem(ação)); Marcio Sallem (Cinema Com Crítica); Pablo Villaça (Cinema em Cena); Daniel Oliveira (Cinematório); Leticia Silva (CinePop); Neusa Barbosa (Cineweb); Rodrigo Fonseca (Correio da Manhã); Fabiana Seragusa (Culturice); Waldemar Dalenogare (Dalenogare Críticas); Leonardo Sanchez e Helen Beltrame-Linne (Folha de São Paulo); Higor Blanco (Glamour Brasil); Luiza Meireles (Metropoles); Mariane Morisawa e Luiz Carlos Merten (O Estado de São Paulo); Carlos Heli de Almeida (O Globo); Arthur Gadelha (O Povo); Caio Coletti (Omelete); Camilo Libério (Rádio NovaBrasil); Erika Abreu (Rede TV); Bruno Ghetti (Revista Cult); Mauricio Ribeiro (Spoiler Movies); Soraya Ursine (Tribuna Journal); Carol Scarpelli e Hebert Felipe Neri (Uol); Elaine Guerini e Amir Labaki (Valor Econômico); Jennifer Queen (Veja); e Fabricio Duque (Vertentes do Cinema).
Sim, aqui em Cannes, dentro do Marché Du Film – Market, há a presença da Cinema do Brasil, associação de produtores do setor audiovisual. E este cinema brasileiro é enaltecido aqui. “Bem-vindo de volta!”, disse Thierry Frémaux, o Délégué général do Festival de Cannes na coletiva de imprensa que acabou de acabar. O “delegado geral” (o diretor artístico que conduz toda a movimentação dos artistas) complementou elogios à política cultural do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que “agora parece muito mais certa”. “O cinema brasileiro sempre teve algo de especial e há muita coisa boa acontecendo no cinema brasileiro neste momento”, disse. Thierry teve no Brasil em dezembro do ano passado para lançar seu livro “Judoca” de exaltação ao Judô (sim, ele é um ex-judoca faixa preta que cresceu na periferia de Lyon) no Estação Net Rio, em Botafogo, que também tem outro ex-judoca Cavi Borges a frente de toda essa nova efervescência carioca.
Outro ponto que também causa uma ansiedade tamanha é a seleção dos filmes da competição oficial a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, com seus realizadores conceituados por todos os cinéfilos de plantão: Andrea Arnold (que também ganha uma conversa com o público na Quinzena dos Cineastas – após exibir “Red Road”); Karim Aïnouz; Francis Ford Coppola; Yorgos Lanthimos; Magnus Von Horn; Paul Schrader; Jia Zhang-Ke; Jacques Audiard; Kirill Serebrennikov; Ali Abassi; David Cronenberg; Sean Baker; Christophe Honoré; Paolo Sorrentino; Miguel Gomes; Mohammad Rasoulof; Michel Hazanavicius… Sim, isso tudo e mais um pouco de uma única mostra (leia aqui a matéria completa sobre os anúncios oficiais e sobre cada filme), além de tantos outros diretores e/ou atores de mesma importância.
Mais um ponto analisado sobre o aumento da ansiedade é a mudança climática e especialmente o jetlag. Aqui em Cannes são cinco horas a mais do Brasil. Esta matéria está sendo escrita à noite. Inevitavelmente, isso afeta nosso organismo que precisa se adaptar ao novo ambiente. E ainda que tenha aprendido com Francisco Russo a sempre chegar antes (porque para nosso corpo entrar em “ordem”, cada dia equivale a uma hora de fuso horário). É muito curioso como não somos “automáticos”. Sim, o Festival de Cannes sempre foi para mim, desde 2013, experienciar níveis elevados de estresse emocional e físico. Mas por que continuamos? Pablo Villaça diz que é um vício. Somos dependentes em assistir primeiro que todo mundo as exibições exclusivas. Sim, Bernardo Bertolucci trouxe isso em seu filme “Os Sonhadores” em que estes “jovens turcos” da Nouvelle Vague francesa sentam na primeira fileira para “receber o filme antes do outro que está atrás”. Uma devoção à imagem.
E lógico que de tão grandioso e de fama internacional o Festival de Cannes 2024 não só estimula polêmicas, como se torna o palco de discussões político-sociais. Uma delas é sobre o iraniano Mohammad Rasoulof que está com o novo filme “A Semente do Figo Sagrado” na competição a Palma de Ouro. O diretor, que ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim 2020 com “A Vida dos Outros”, foi condenado por seu país a uma pena de cinco anos de prisão, além de “chicotadas”, “multa” e “confisco de bens”, por “conluio contra a segurança nacional” ao apoiar manifestações. Mas ontem um burburinho quase certo e vazado afirma que o realizador já conseguiu sair do Irã e já está em segredo na Europa. E que muito provavelmente esteja sim este ano aqui em Cannes.
Outra polêmica (digamos que mais como fofoca) é sobre o ator protagonista do novo filme “Kind of Kindness” de Yorgos Lanthimos, que também está na competição oficial. A “treta” é que Joe Alwyn disse ter “ficado levemente decepcionado” (em matéria no Hugo Gloss) com o novo álbum da ex Taylor Swift, cujo namoro de seis anos virou letra de música da cantora (que por sinal é “marca registrada” de Taylor – algo semelhante aconteceu com Luísa Sonza e Chico Moedas aqui no Brasil). O ator exigiu que nenhuma pergunta na coletiva de imprensa fosse sobre ele e Taylor.
E uma questão um pouco mais séria pode até “cancelar” a edição 2024 do Festival de Cannes, que espera receber 35 mil pessoas passantes e homenagens à atriz Meryl Streep; ao Studio Ghibli (de Hayao Miyazaki); e até aos produtores Lucy e Luiz Carlos Barreto da empresa LC Barreto (responsáveis por lançar “Bye Bye Brasil”). Mas o burburinho de uma greve dos profissionais do cinema (inclusive projecionistas, programadores), que pedem melhores condições de trabalho, pode atrapalhar toda a celebração do cinema mundial. Será que o Festival de Cannes, que chega a sua edição 77 não acontecerá este ano? Vamos aguardar e conferir a arte de divulgação que traz o still do filme “Rapsódia em Agosto” (1991), de Akira Kurosawa, com o ator Richard Gere (de “Uma Linda Mulher”) no papel principal sobre uma senhora japonesa de Nagasaki, marcada pelas lembranças da bomba, que recebe a visita do sobrinho nipo-americano, filho de um irmão que foi para o Havaí depois da guerra. Seus netos ficam fascinados pelo moço, mas ele desperta sentimentos incômodos nela.
Sobre o Júri oficial da Palma de Ouro, a presidenta é a atriz norteamericana Greta Gerwig (também diretora da “febre” “Barbie”), junto com mais 8 jurados: a fotógrafa turca Ebru Ceylan; a atriz norteamericana Lily Gladstone (de “Assassinos da Lua das Flores”); a atriz francesa Eva Green; o realizador espanhol Juan Antonio Bayona; o ator italiano Pierfrancesco Favino; a realizadora libanesa Nadine Labaki; o realizador japonês Kore-Eda Hirokazu; e ator francês Omar Sy. No júri do Un Certain Regard temos como presidente o diretor “aposentado” Xavier Dolan; a realizadora senegalesa Maïmouna Doucouré; a realizadora marroquina Asmae El Moudir; a atriz alemã Vicky Krieps; e o realizador norte-americano Todd McCarthy.
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