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Todo Mundo Já Foi Pra Marte

Ostracismo animado

Por Ciro Araujo

Durante o Olhar de Cinema de 2022

Todo Mundo Já Foi Pra Marte

O pedido talvez saia doloroso: mire-se mais uma vez dentro do cenário pandêmico originário, aquele entre 2020 e 2021. Lembre-se do apocalipse causado tanto pelo cenário político ignorante e espalhafatoso, pelas incertezas de uma data para a solução contra o vírus: as vacinas. Por um segundo era um mês, por dois virara um ano, por fim foram mais de dois anos. Ainda vivemos nesse clima, porém já banalizado. “Todo Mundo Já Foi Pra Marte”, animação do cearense Telmo Carvalho, é um filme situacional, que se construirá pelo tempo, mas que entrou já ostracizado. Foi exibido como encerramento de uma mostra Olhar de Cinema já cansada de tantas metáforas da pandemia, e agora chegou tanto para o Festival do Rio quanto de Ceará.

Um trabalho colaborativo é estranho, ainda mais no contexto de trabalho remoto, cuja direção, apesar de possuir um claro capitão, esteja diluída na sua concepção: são mais de trinta; precisamente trinta e sete animadores, que aplicam suas próprias estéticas dentro de um texto essencialmente sobre desabafo. Bem, se as claras referências à animações clássicas, ou ao menos toques que inspiraram, estão “Heavy Metal”, clássico filme dos anos oitenta que compuseram ideias de representar tanto a ficção científica como transpor os quadrinhos para o cinema. Essas pequenas conexões realmente fortalecem a obra animada, uma vez que ao menos possui interesse claro pela sua alusão. Uma batida alusão, mas ainda existente. E que constantemente por toda a equipe acredita-se na bendita metáfora; É necessário, como mais poderiam demonstrar poder comunicacional?

Bem, haveria a possibilidade no caso de ao menos o tema ter capacidade para ampliação, para expansão de conversas. Mas, a realidade é outra: a ostracização do cosmo pandêmico foi diversamente explorada – em formato fadigoso, qualquer um poderia ousar. Sem dúvidas alguma, a ansiedade produzida pelo isolamento social foram e são preocupações constantes numa atualidade, mas a indagação que fica entre espectadores e responsáveis por “Todo Mundo Já Foi Pra Marte” é o que resta sobre o assunto e o que eles podem repassar a mais para. Que conversa há aqui? Isso é essencial e deveras interessante, já que durante toda esses dois anos também houve a dúvida da potencialidade de assuntos assim e da conservação deles como produtos artísticos e ou políticos. Há uma estranheza já em falar o termo “isolamento social”, como uma espécie de dinossauro recém-descoberta. Bem, encontramos algo de interessante ao escrever sobre o texto: o tempo dilatado no período pandêmico. Na animação de Telmo realmente há essa observação, apesar de ser indireta.

Como obra do gênero ficção científica, o cineasta cearense ao menos tem suas sacadas, suas jogados de gênio, craque do jogo: chamar para a trilha sonora o músico Fernando Catatau. Os sintetizadores do membro fundador da banda “Cidadão Instigado” são pesados, transmitam exatamente a sensação junto com um progressivo que combina tanto com o cinema. Combinam também com um progredir dessa visão de espaçonave e cidade distópica, prestes a se implodir com os acontecimentos. O próprio compositor possui um ótimo álbum, “Fortaleza”, um representante mor dessa estética.

E enquanto isso, as animações transeuntes, cuja técnica é sempre um desafio, novamente não se dialogam. Elas parecem oscilar, tanto em uma vontade de exprimir sentimentos em formas abstratas quanto espalhar contextualização para que haja compreensão de grande parte das metáforas. Por não se dialogarem e nem possuírem forte ligação da proposta, toda sua vontade se esvai. É um filme que cansa, que parece se arrastar e se esquecer de sua própria carcaça enquanto precisa encontrar um final para se amarrar. Telmo Carvalho pode ter exercido a direção, de fato, mas parece muito mais uma direção própria de cada um desses trinta e sete animadores.

E sim, o presidente da república atual é o principal culpado pelas atrocidades. Sim, existe desinformação para todo lado e para a nossa infelicidade há de se conviver com ela enquanto consome cada um de nossos mais próximos parentes. É um dos horrores que precisamos conviver, mas que em 2022 parece tão abstrato ligar tudo através de uma conversa óbvia e direta. Quando caminha pelas bordas, “Todo Mundo Já Foi Pra Marte” é uma animação até inventiva mesmo que limitada por seu conceito; quando atravessa a pandemia diretamente, é banal e ostracizada, sem espaço para diálogo em um mundo que já consumiu qualquer lembrança desses dois cansativos anos.

2 Nota do Crítico 5 1

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