The New Look
Como a política influencia a moda
Por João Lanari Bo
“The New Look”, ´serie que a Apple TV lançou em 2024, focaliza em dois gigantes da moda do século 20, Coco Chanel (Juliette Binoche) e Christian Dior (Ben Mendelsohn), e os respectivos entornos: pessoas, dramas, traições, mortes. São, em sua grande maioria, personagens e fatos verdadeiros. Mas o mais interessante, embora ligeiramente oculto e talvez não explicitado de forma cabal, é a relação entre moda e política. Ou seja, o ato de vestir-se é político, reflete valores de uma época, de uma sociedade e de uma cultura específicas. Não é apenas compulsão de consumo: é reflexo comportamental, é atualização simbólica de inserção social, é, enfim, história, presente e futuro. Privilegiando as vivências particulares de Chanel e Dior, dois poderosos e influentes produtores de moda, a série mergulha no conturbado século de guerras e tragédias, mas também de superação e sublimação estética.
Sim, sublimação estética – moda lida com tecidos, texturas, corpos, desenhos. Dialoga com tudo ou quase tudo, religião, cultura, o espírito do tempo (Zeitgeist), para usar um conceito filosófico popular. Quando Coco Chanel resolveu criar roupas sem espartilhos e outras restrições, liberou o corpo feminino não apenas para movimentos inéditos, mas também para posturas afirmativas e decididas, em última análise políticas. Como se não bastasse o espartilho, os vestidos eram volumosos, pesados, as mulheres precisavam de ajuda para vestir e tirar todas as roupas – eram seis partes antes do principal. Chanel mostrou que elegância podia ser simples, sem ostentação exagerada. Sua (movimentada) biografia – órfã de mãe, abandonada pelo pai, estilista e empreendedora, mulher livre à frente do seu tempo – está naturalmente conectada a tudo isso. Estética e politicamente.
O outro polo de “The New Look”, Christian Dior, foi um esteta obsessivo: com um amigo, abriu em 1928 uma galeria de arte na rue de la Boétie, no centro de Paris, com a ambição de expor os mestres Picasso, Braque, Matisse e Dufy, além de artistas próximos, como Christian Bérard, Salvador Dalí, Max Jacob, os irmãos Berman. Mesmo ajudado pelo pai, não deu certo, foi a falência: começou a desenhar para casas de moda estabelecidas, entre elas a de Lucien Lelong (John Malkovich), quando desponta como o principal talento em uma geração de estilistas brilhantes. Finda a guerra, abre em 1947 a Maison Dior e lança sua famosa coleção, onde a opulência dos designs contrastava com a sombria realidade da Europa do pós-guerra – Paris de novo como a alegre capital da moda.
Não obstante, “The New Look” vai além da hagiografia dos célebres personagens: traz à tona as experiências, para o bem e para o mal, que ambos tiveram no patético período de ocupação nazista na França, de 1940 a 44. Chanel, àquela altura personalidade estabelecida e extremamente bem sucedida, envolveu-se em situações complicadas para salvar seu negócio, incluindo colaboração com os alemães e uma desastrada tentativa de espionagem. Esse dark side de sua vida permanece nebuloso até hoje – mas não a impediu de dar a volta por cima e retornar em grande estilo, como mostra a sequência de abertura da série, quando regressa a Paris em 1955, depois de anos na Suíça, para recuperar o trono da alta-costura do “usurpador” Dior (naquele mesmo ano, Dior se tornou o primeiro estilista a falar na Sorbonne em seus 700 anos de história).
Christian Dior, por seu turno, atravessou o tenebroso interregno da guerra angustiado pela detenção, pela Gestapo, de sua irmã Catherine, denunciada como membro da Resistência Francesa – presa e torturada em Ravensbrück, só foi libertada em 1945. Manobrou como pôde nesse cenário instável, vestindo esposas (e amantes) de oficiais nazistas na maison de Lelong, junto com Pierre Balmain (Thomas Poitevin), outro nome que se tornou mundialmente conhecido depois do conflito. Também comparecem na série Balenciaga (Nuno Lopes) e Pierre Cardin (Elliott Margueron), igualmente famosos e associados a marcas consolidadas – os franceses, desnecessário ressaltar, sabem promover seus talentos. Comparece também a editora do Harper’s Bazaar, Carmel Snow (Glen Close), a grande divulgadora de Dior e da haute couture francesa nos Estados Unidos.
São dez capítulos nessa série que mescla moda e história: seu criador, Todd A. Kessler, promete uma segunda temporada, caso a audiência responda e fique convencida de que moda não é um assunto superficial. Para ele, foi a criatividade dos estilistas que abriu caminho e trouxe o desejo de viver novamente, após o desastre da guerra. Moda e política.