Terruá Pará
Os ritmos-paisagens
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2023
Integrante da Mostra Olhos Livres da Mostra de Tiradentes 2023, “Terruá Pará”, de Jorane Castro, é um retrato cultural do Pará, que encontra diferentes formas de procurar uma representação dos múltiplos estilos que atravessam o Estado, suas origens, referências e atravessamentos com a história local.
O documentário é uma jornada pelos ritmos que transbordam pela região, enriquecendo nossa percepção de uma cultura que deixa de ser regional e abarca uma carga histórica de largas dimensões. Assim, quando a projeção se inicia, mostrando a paisagem e os ritos, com o ritmo criado a partir da água, a proposta da obra se torna clara, procurar os entrelaces desses espaços físicos com essa manifestação cultural, assumindo que o próprio cenário influencia nessa produção simbólica. Está claro que essa conclusão é particularmente comum, porém “Terruá Pará” propõe um mergulho agudo em todas essas tradições, como quem realiza essa pesquisa junto ao espectador. Por essa razão, essas imagens que preenchem a tela, com natureza e a presença de figuras humanas, são capazes de sintetizar o que Jorane está procurando traduzir para a tela. A cultura da pesca, dos povos originários, a ancestralidade africana e todo o sincretismo que está presente em grande parte na cultura brasileira, pode ser encontrado aqui.
Um exemplo disso é quando o espectador toma conhecimento do “latim caboclo” e o filme retrata a importância da fé e da crença nessa construção imagética da obra, para compreensão dessa formação cultural que procura expor. Nesse sentido, há alguns entraves para o andamento do documentário, pois existem determinados momentos que fica nítido que algumas sequências possuem um tempo maior de tela, sem que haja necessidade, funcionando mais como uma apresentação de alguns artistas da região. Porém, mesmo nesses “interlúdios”, os depoimentos criam um “mapa” das influências das obras, ainda que algumas explicações possam ser abstratas, como no caso onde um artista relata que o ritmo é uma espécie de analogia da árvore, com diferentes velocidades e ritmos a partir dessa “projeção da árvore”, entre o tronco, os galhos e a própria interferência do vento. Se algumas dessas falas podem se tornar pouco sólidas no entendimento dessa música, temos uma clara demonstração de como a ligação terra-humano-cultura é consolidada pela percepção e interação desses fatores.
Desta forma podemos entender, em maiores detalhes, como esse contexto é importante para a configuração dessa arte. Um exemplo disso é quando é dito que dentro da música paraense há uma diversidade de influências latino-americanas, já que as rádios de SP não pegavam na região, enquanto o sinal da Guiana, da Guiana Francesa e outros países ao redor, chegavam com maior facilidade, permitindo que as músicas desses demais países pudessem servir de referência para novas criações no Pará.
“Terruá Pará” é um importante trabalho que nos apresenta a contextualização de parte da música no local, mas não consegue ir além de pequenas margens para digressões nesse sentido, ou mesmo em um caráter burocrático e formulaico, onde é apresentado a paisagem cultural que é palco de determinado ritmo, suas influências, a música, depoimentos e passa para um próximo exemplo. Esse exercício se torna cansativo e repetitivo, ainda que esteja ali para cumprir uma importante lacuna, tornando a experiência em algo mais arrastado que deveria, afinal estamos aprendendo sobre a produção simbólica, desde sua materialidade até as crenças, a fé e os ritos.
O caráter didático presente em “Terruá Pará” e toda sua contribuição para um contexto de desvalorização total da cultura e memória nacional, não sustentam o filme por inteiro e o uma parte do público pode sentir uma certa fadiga pela forma programática como o projeto avança.
A partir de questões distintas e motivações que se atravessam, “Cambaúba” e o novo longa de Jorane Castro possuem uma intenção que deve ser lembrada e citada, mesmo que, infelizmente, possa ter alguma dificuldade de conseguir uma distribuição nos circuitos comerciais brasileiros. De toda forma, a participação na Olhos Livres reforça o compromisso da Mostra de Tiradentes com a promoção da cultura nacional em suas diferentes formas, especialmente com as mudanças institucionais recentes que permitiram um novo ar para os festivais de cinema, transformando as exibições em uma verdadeira festa. “Meu Pará, é Terruá, Terruá Pará”.