Terminal Praia Grande
O andamento da carruagem
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2019
A anarquia libertária dos marginais de outrora, é substituída pela homogeneização do sonho burguês. Libertinagem e fantasia encontram o mundo fantástico do Mágico de Oz. Caronte de quatro rodas freia. A poesia to tacanho tá feita, só falta atiçar o pequeno-burguês para organizar as palavras acerca de como a estética do delírio consome a forma como “uma espécie de” sonho e realidade que funcionam na unidade do diretor. Oremos em cadaverização. Festa dos mortos para quem é de fetiche, pulverização de tudo e de todos. Ah, o espírito da burguesia.
“Terminal Praia Grande” (2019) de Mavi Simão é o petardo dos histéricos céticos de Brecht. Consumação do espírito do Breton espelhado, avesso à forma, consumindo seu inverso. A forma segue uma padronização latente no cinema fantástico contemporâneo, transita nessa fixação do quadro e na câmera na mão. E é nessa tônica particular desse gênero, que as coisas vão funcionar, sem muita ladainha o longa é direto em sua proposta, expõe de cara suas questões, sem problematizar muito esse andamento dramático e vai circulando em seus personagens, adicionando umas cenas coloridas, com cores chamativas, um NWR maranhense, funcional.
E ainda que consiga ampliar um pouco o debate para o âmbito feminino, nesse gênero fantástico, cadavérico, moribundo, segue em uma linha bastante ardilosa junto à burguesia. Compreendendo aquela materialidade como uma dança volátil de mundos distintos, unidos pela finitude. É onde reside o perigo do anarquismo conceitual, de uma viagem formal de um gênero em gênese, com problemas diversas, solucionados fora do cinema. Esse fantástico vem como uma resolução mambembe de uma estética nacional em decadência. É uma espécie de fim da autoria munida com o discurso para mantê-la. Inversão de discurso aos desenvolvimentistas, caráter duvidoso. Não há propriamente algo seccionando os dois campos de clichê acadêmico, mas propriamente a ausência de um deles. A referência ao NWR segue sendo apropriada.
E é a partir desses projetos que se pode dizer que parte do cinema brasileiro contemporâneo, está procurando permanecer em um estado de inércia quanto à internacionalização de um projeto de mercado. O que é positivo, casos como Ary Rosa, Glenda Nicácio, Sérgio de Carvalho etc, expõe a necessidade de olharmos à terra como quem vê a manifestação cultural, tão cara ao debate político. Mas “Terminal Praia Grande” está no time de “A Torre” de Sérgio Borges. Uma aura flutuante do quanto essas individualidades se entre-cruzam quando nos reduzimos à seres humanos, mortais e toda a ladainha acrítica burguesa. E em um setor à parte, temos Rodrigo Lima, Lucas Parente, que estão preocupados com a construção estética daquele mundo criado à partir do filme, sem negligenciar a realidade desse palco, introduzindo o fator geográfico como algo decisivo para as divagações filosóficas, poéticas ou como queira chamar.
“Terminal Praia Grande” não é inócuo quando pensa sua linguagem, há um desenho bastante definido ali, um pensamento que segue uma linha do gênero, como dito, mas que não busca uma reinvenção dessas narrativas, nem mesmo da abordagem séptica de como se estrutura essa relação do real x fantasia. Ainda não vi um filme que incorpora o realismo fantástico de maneira autossuficiente e sólida. Porém, como dizia o fumante, colecionador, falador de baboseira, jornalista e crítico de cinema (por último, para irritar os mortos), Jairo Ferreira: Sem chute não há gol!
E onde há a falta do que fazer, avacalha-se. O problema é que esta frase pode ser compreendida em torno de duas visões distintas, uma anarquia inócua proto-burguesa que almeja com essa libertinagem estranguladora de ócio e que promove o festejo, ou a consumação do prognóstico último do retrato dependente latino-americano, onde o subdesenvolvimento consome as capacidades e liberdades. Qual visão esse gênero em nascimento, ainda, vai seguir?
Não creio numa resolução fácil para o problema sem pensarmos em quem detém o poder da produção, aqui, de maneira lógica, me refiro diretamente aos detentores do capital financeiro e do capital cultural. Infelizmente, temos a prova, histórica, que esses detentores que promovem uma pensamento crítico, são exceções, pois a maioria é contrária à mudanças no estatuto de sua segurança ideológica. Mas para lembrarmos alguém tão querido, e odiado, por essa burguesia fálica, Nelson Rodrigues, nos lembra que “a unanimidade é burra”.