Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal
Um caos absoluto
Por Pedro Guedes
“Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” é o que “Bohemian Rhapsody” seria se, no lugar de Freddie Mercury, tivéssemos um serial killer como protagonista: sim, as duas cinebiografias giram em torno de personalidades completamente diferentes uma da outra, mas praticamente todos os problemas cometidos pelo (péssimo) filme de Bryan Singer se repetem aqui. Dirigido pelo mesmo Joe Berlinger que realizou o documentário “Conversando com um Serial Killer”, também se concentrando na história de Bundy, o longa retrata os crimes cometidos pelo assassino de maneira terrivelmente superficial, ignora etapas fundamentais de sua trajetória e apresenta-se como uma verdadeira bagunça em termos formais, narrativos e de montagem, só não se transformando em um desastre completo graças às performances oferecidas pelo elenco.
Escrito pelo estreante Michael Werwie, o roteiro gira em torno do conhecido caso de Ted Bundy, um sujeito sedutor e charmoso que, ao longo da década de 1970, matou pelo menos 30 mulheres nos Estados Unidos e estuprou grande parte destas. Enquanto fazia suas vítimas, Bundy teve um relacionamento com Liz Kendall, uma jovem estudante que teve uma filha relativamente cedo e que acreditou na inocência do serial killer até não poder mais. Depois de ser preso, de fugir da prisão e de ser preso novamente (este ciclo, inclusive, se repetiu duas ou três vezes), Ted Bundy enfrentou um longo julgamento – no qual, vale apontar, conquistou a simpatia de diversas mulheres – e envolveu-se também com a amante Carole Ann Boone, que tentou defendê-lo no tribunal e que engravidou dele quando já estava prestes a ir para o corredor da morte.
A ideia de retratar a história de Ted Bundy nos cinemas é, por natureza, muito promissora – afinal, foi um caso bastante complexo no qual um serial killer teve dois relacionamentos sérios, matou/estuprou dezenas de mulheres e, ainda assim, foi visto como “galã sedutor” por boa parte da audiência feminina. O problema de “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal“, no entanto, é que o roteiro de Werwie não parece ter muito interesse nos crimes de Bundy, preferindo se concentrar, em vez disso, na relação entre o sujeito e suas companheiras. Ora, as atrocidades cometidas pelo assassino são justamente o motivo de terem feito um filme sobre ele e de estarmos falando sobre ele agora! Fazer vista grossa para isto não faz o menor sentido.
Assim, sempre que a narrativa está chegando no momento em que Bundy fará sua próxima vítima (ou fará alguma coisa absurda), Berlinger e Werwie simplesmente ignoram a situação em si e saltam para o que veio a seguir, fazendo o longa soar anticlimático com frequência. E vejam bem: não estou dizendo que os assassinatos/estupros que Bundy cometeu deveriam ser re-encenados aqui (afinal, isso seria de extremo mau gosto); o que estou dizendo é que, ao sentir a necessidade de não entrar em detalhes, o filme acaba deixando várias “lacunas”, como se muitas das situações envolvendo o protagonista não recebessem uma conclusão satisfatória. Um exemplo disso pode ser observado no instante em que Bundy foge da cadeia pela primeira vez: ele pula de uma janela, sai perambulando disfarçado pelas ruas do Colorado e, quando o reencontramos na cena seguinte, já foi recapturado e já está preso novamente. Mas o que aconteceu neste meio-tempo? Como foi o curto período em que Bundy voltou a experimentar a liberdade? E como foi o momento em que a polícia o encontrou?
Este é o principal problema de “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal”: sempre que estamos prestes a ver algo importante, o filme faz questão de impedir que vejamos… seja lá o que for, limitando-se a um relato superficial do que foram as atrocidades cometidas pelo biografado. A mesma superficialidade se aplica à construção do perfil psicológico de Ted Bundy: em vez de se aprofundar nas muitas complexidades que existiam na cabeça do serial killer (afinal, ele certamente era uma figura cheia de nuances), o longa apenas retrata Bundy como um sujeito bonitão e magnético, mas que ainda assim carregava… alguma coisa bizarra e assustadora dentro de si. Agora, como era Ted Bundy? De onde ele veio? Como ele se transformou neste monstro? Como funcionava sua mente? Nada disso é abordado pelo filme – e, como se não bastasse, o roteiro ainda falha em apresentar outras personagens importantes: Carole Ann Boone, por exemplo, cai de paraquedas no meio da narrativa, ao passo que Jerry Thompson, o médico que namora Liz logo após Ted, não ganha desenvolvimento algum.
Aliás, a superficialidade de “A Irresistível Face do Mal” é tão grande que o filme em si acaba soando… inconsequente, como se as ações de Ted Bundy não fossem abordadas com a gravidade necessária – e isto me faz questionar as intenções de Berlinger e de Werwie: será que a dupla tentou amansar as barbaridades cometidas pelo biografado, ignorando seus detalhes mais relevantes? Se somarmos isto ao fato de que o roteiro tenta (sem sucesso) fazer o espectador ficar em dúvida quanto à culpabilidade de Bundy (sendo que, desde o princípio, é óbvio que o sujeito não era inocente), a impressão que fica é de que o projeto está tentando… glamorizar a história do serial killer (o que, por si só, é condenável). Não, o filme não chega a glamorizar Bundy, mas… chega perto disso.
Como se não bastasse, “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” ainda é um caos absoluto: nos primeiros minutos da projeção, a direção de Joe Berlinger tenta estabelecer uma cronologia não linear que, além de tola e sem sentido, não demora a ser descartada pelo próprio cineasta. Além disso, Berlinger não consegue sequer decidir se o ponto de vista que guiará a história será o de Ted ou o de Liz, resultando em uma bagunça simplesmente pavorosa. Esta indecisão, diga-se de passagem, também se aplica à decupagem das cenas, que, por sua vez, são enquadradas através de quinhentos ângulos diferentes, saltam o eixo sem que haja um propósito dramático para isso e se tornam ainda piores graças à péssima montagem de Josh Schaeffer (observem a quantidade excessiva de cortes que existe a cada sequência e me digam se é injusto comparar seu trabalho ao de John Ottman em “Bohemian Rhapsody“).
Para completar, vale dizer que o elenco se esforça para conferir alguma credibilidade ao projeto: Zac Effron usa a imagem de galã que construiu ao longo de sua carreira para retratar Ted Bundy como um sujeito atraente, porém perigoso e insano (a crueldade do serial killer, em especial, é bem representada por Effron); Lilly Collins consegue ilustrar bem a preocupação e a culpa que aos poucos vão tomando conta de Liz; Kaya Scodelario encarna Carole como uma mulher… que está disposta a se manter próxima a Bundy (isto é o máximo que posso dizer sobre ela); Jim Parsons surge em uma participação pequena, porém eficiente o bastante para distanciá-lo do Sheldon de “The Big Bang Theory”; e John Malkovich… bem, é sempre uma presença agradável.
Mas isto não salva “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal”. Por mais que o elenco se esforce (e que isto seja admirável), não há como contornar a mediocridade de uma obra como esta. E não adianta: quando uma cinebiografia não se interessa pelo que seu biografado fez, ela está naturalmente fadada ao fracasso.