Curta Paranagua 2024

Transtorno Explosivo

As consequências do abandono

Por Vinicius Machado

Durante a Mostra de São Paulo 2019

Transtorno Explosivo

Segundo a psicanálise, a psique de uma pessoa tende a ser formada até os seis anos de idade. Se as funções parentais funcionarem de maneira eficaz, a tendência é de que a criança cresça de maneira saudável. Caso contrário, um abandono emocional pode lhe trazer, em casos extremos, um grande déficit psicológico, como é o caso da pequena Benni (Helena Zangel), de “Transtorno Explosivo”.

Durante duas horas, a garota berra, quebra, chantageia e machuca a si e todos ao seu redor. Nesse mesmo período, diversos profissionais da área da educação estudam uma forma de conter esse temperamento explosivo. Benni já foi expulsa de diversas escolas e abandonada por famílias adotivas, inclusive pela sua própria mãe, que não tem condições financeiras e emocionais para lidar com a menina de nove anos.

No entanto, é curioso que a estreante Nora Fingscheidt, que dirige e escreve o longa, também não tenha muita noção do que fazer em relação a isso. E tendo essa consciência, acaba criando uma história complexa sobre todo um sistema de proteção infantil, desenvolvendo bem e enchendo de camadas não só a protagonista, como todos os outros personagens ao seu redor. Sua intenção em nenhum momento é trazer soluções ao caso, mas somente apresentá-lo ao público de uma maneira crua e densa.

Durante esse percurso, o espectador adquire uma certa simpatia pela personagem e passa a torcer para que, ao menos, haja um desfecho positivo. Não é uma jornada fácil, já que a própria Benni faz questão de se sabotar após cada momento de progressão, tornando a experiência uma verdadeira montanha russa de emoções e angústias.

Para isso, Fingscheidt usa constantemente uma câmera de mão, principalmente nos momentos em que há um surto, e abusa no figurino da garota que, na maioria das vezes, usa tons saturados de rosa enquanto seus educadores e responsáveis usam tons neutros. Isso faz com que a garota cintile em tela, como se fosse uma verdadeira força da natureza. E é, num grande trabalho da pequena Helena Zangel que, mesmo sendo escandalosamente irritante, transmite um ar de inocência e de alguma forma coloca o público na mesma situação das pessoas a querem bem. Seu trabalho é semelhante à de Brooklyn Prince, em “Projeto Flórida”.

Além de Zangel, também há um grande trabalho no elenco de apoio. Albrecht Abraham Schuch, no papel de um educador experiente em lidar com crianças desajustadas, o único a conseguir extrair algum progresso de Benni e Gabriela Maria Schmeide, como a diretora do abrigo, que entrega uma das cenas mais comoventes e intensas do filme.

Mas o trabalho mais interessante dentre os adultos é o de Lisa Hagmeister, no papel da mãe da menina. Com pouco tempo de tela é possível sentir raiva, pena e compreensão. Embora seus atos sejam imperdoáveis, há diversos fatores que ajudam a gerar empatia por ela, uma mulher com dois filhos além de Benni, sem emprego e dentro de um relacionamento abusivo. Suas expressões transmitem o cansaço de alguém que precisa carregar o mundo sem as condições necessárias pra isso.

E ao mesmo tempo em que ele cria essa relação intensa com os personagens, é possível enxergar, também, toda uma estrutura embaraçada do sistema. Mesmo tento profissionais preocupados em resolver a situação, Benni é somente mais uma, e não há nada que possa ser feito além do alcance. Em diversos momentos isso complica mais a situação, pois justamente quando há um progresso clínico, ela sofre um novo revés, seja pela própria criação de expectativa, ou por um novo abandono.

No entanto, para o público, tudo isso acaba se tornando um processo desgastante e circular, já que “Transtorno Explosivo” se repete a cada recaída da personagem e tem uma duração além do que deveria. Embora nada pareça fora do lugar, seria possível torná-lo mais enxuto. Nem mesmo a edição rápida e o ritmo constantemente frenético torna a experiência menos cansativa.

A impressão é de que não há uma evolução da narrativa, nem um avanço dentro do seu próprio contexto. Mesmo ao citar um dos principais traumas da menina, em nenhum momento há um desenrolamento disso. O público sabe um dos gatilhos que desencadeia seu surto, mas nunca há uma busca pela solução do que parece ser crucial para o seu avanço.

Essa falta fica ainda mais clara em sua sequência final que, mesmo agridoce, sofre com essa inércia com tons de conformismo. Ainda assim, “Transtorno Explosivo” entrega um retrato das consequências do abandono e como isso afeta principalmente um ser humano na sua formação psíquica. Mais que isso, relata, de maneira eficiente, que tratar o paciente, e somente ele, como o problema, pode trazer consequências ensurdecedoras.

3 Nota do Crítico 5 1

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