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Stella. Vítima e Culpada

Um filme que amplia campos do cinema alemão

Por Fabricio Duque

Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2024

Stella. Vítima e Culpada

Antes de traçar qualquer linha analítica sobre o drama “Stella. Vítima e Culpada”, que a tradução brasileira buscou o clichê sugestivo da mensagem, visto que no original é “Ein leben”, que quer dizer “estar vivo na vida acontecendo”, é preciso lembrar a essência do cinema alemão, mais plasticamente teatral, mais narrativamente conceitual, mais direto e mais expressionista. Embarcar numa obra alemã é vivenciar uma experiência de vanguarda da imagem, numa linguagem narrativa que quer metaforizar ao realismo cênico, pelo lúdico simulado, camadas psicológicas de existências que estão sempre em sobrevivências e numa jornada “salve-se quem puder”, sem suavização de seus dramas apresentados, tampouco na necessidade recorrente às decisões que fogem do maniqueísmo moral e/ou ético, como se seguissem automatizações metafóricas do desassossego das épocas em que existem. Cada uma com uma forma, mas todas com a mesma espinha de comportamentos universais e patológicos aos seres-humanos. 

Ainda que esse cinema alemão tenha se permitido experimentar possibilidades de criação, mas mantendo os elementos intrínsecos de seus primórdios, mesmo assim ainda não se consegue defini-lo. Talvez essa seja o melhor elogio. Como traduzir, por exemplo, os seriados “Berlin Alexanderplatz” de Fassbinder, e/ou “Babylon”, de Tom Tykwer. Há uma estranheza pragmática nesta coloquialidade de naturalidade invisível que personifica em tela esse elemento cultural muito próprio, orgânico e vital que capta toda essa vivência comportamental dos alemães. E isso em qualquer época. Se observarmos Berlim, por exemplo, então nos daremos conta que podemos sentir a mesma atmosfera presente de seus filmes. Nós talvez somos envolvidos em um mundo mais suspenso da realidade pela contemplação mais amadora do etéreo real. 

Mas “Stella. Vítima e Culpada” ao trazer a história da “traidora” dos judeus talvez queira ir além das características mais enraizadas desse cinema alemão de antes, galgando assim novos campos concentrados ao usar excessivamente fades, para sinalizar fragmentos em elipses temporais, algumas muito muito rápidas. É, não há nada de errado em ampliar formas narrativas, mas talvez, para alguns muitos, incluo-me nesta opinião, incomode, porque sentimos que é uma tentativa mais cômoda, facilitadora e palatável de manipular o espectador com a presença de uma condução mais sentimental, mais emocionada. Mas por outro lado sendo o advogado do diabo e/ou o pacificador empático podemos levantar a hipótese de que toda essa construção mise-en-scène de “Stella. Vítima e Culpada” tenha o propósito de suavizar a quem assiste a intensidade e carga dramática da cena, como, por exemplo, quando a protagonista é levada para “depor”, que de tão realista nos desperta um incômodo à violência desencadeada. 

Contudo, se o filme busca humanizar a personagem (dando a ela o benefício da dúvida – culpada até ser julgada), aceitando (e mais uma vez embasando) seus motivos, medos iminentes e consequências fatais, então “Stella. Vítima e Culpada” fica à deriva de sua própria condução, como se fosse um trem desgovernado que foca mais nos recortes fragmentos-enquetes, a fim de contar sua história e suas “inclinações” sobreviventes, que na comoção aprofundada de seus atos e escolhas. Seu realizador Kilian Riedhof, de Hesse, na Alemanha, mais voltado às produções seriadas e televisivas, acerta em cheio ao escalar a atriz  alemã Paula Beer, sempre irretocável em seus trabalhos e sempre entregando muito mais que o diretor pede. 

Ao conhecer a filmografia do cineasta deste filme aqui, entendemos mais a forma narrativa escolhida. Sim, como disse, ainda que “Stella. Vítima e Culpada” traga na raiz as características do cinema alemão, nós vemos um que bem perceptível de obra voltada mais à estrutura de série. “Comporte-se como um ser humano”. O longa-metragem poderia sim ser mais um filme sobre a época nazista da Alemanha e seu genocídio de judeus e “diferentes à raça ariana”, mas ao escolher a forma mais orgânica e intimista de contar a história, consegue sair pela tangente e manter traços de uma linguagem construída no próprio propósito da mensagem. Tudo aqui é para nos fazer escolher um lado. Escolha ousada, audaciosa, cruel e com toques de ficção identificada.

Isso lembra o novo documentário de João Moreira Salles, “Minha Terra Estrangeira”, que traz a colocação de uma personagem indígena que “entende” muitas pessoas de seu povo votarem no partido direitista contra o próprio partido indígena e diz que após anos de dominação, de genocídio e de alimentação do imaginário de que ser branco é melhor, os indígenas cansados resolvem “mudar de lado para descansar”. Será que foi isso que aconteceu com Stella? Será ela uma vítima dessa lavagem cerebral dos nazistas, sem poder sonhar em ser uma cantora de jazz famosa? Ou será uma culpada que se debandou ao “lado negro da força”?

3 Nota do Crítico 5 1

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