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Sonic: O Filme

Pipa no Ventilador

Por Jorge Cruz

Sonic: O Filme

Adaptações de jogos de videogame geralmente se revelam problemáticas, uma consequência da liberdade estética e de linguagem que o consumidor dos consoles aceita com mais naturalidade do que o espectador na sala de cinema. Em 1993, “Super Mario Bros.” inaugurava as recriações insossas dos grandes clássicos da Era 16-Bits, seguido dois anos depois por “Street Fighter: O Filme” e “Mortal Kombat: O Filme“.  O porco-espinho azul da Sega que rivalizava com o encanador da Nintendo estava ali, um pouco esquecido, sendo objeto de algumas animações para a televisão. Quinze anos depois das trágicas experiências já citadas, “Sonic: O Filme” (a originalidade do tradutor de títulos brasileiro segue invicta) comete o mesmo erro de constituição das obscuras produções noventistas.

Paramount entregou a dois roteiristas a transposição do universo de Sonic: Patrick Casey Josh Miller. O trabalho mais… hum, relevante, da dupla é o longa-metragem “Nota 10 em Confusão” do distante ano de 2003. Uma comédia que ajudou a afundar a carreira da promissora atriz e cantora Tatyana A. Ali, que ganhou destaque nas últimas temporadas de “Um Maluco no Pedaço” como Ashley, prima adolescente de Will Smith. Casey e Miller condenam de forma capital toda a tentativa de “Sonic: O Filme” ser uma obra saudosista ou que chegasse perto do encantamento do produto original. Talvez seja difícil contestar a ideia de que a produção é, apesar de tudo, divertida.

O grande empecilho para o filme ir além é o total abandono do imaginário visual, da estética ligeiramente kitsh, que transformava a experiência de mergulhar nas aventuras do personagem algo entre o frenético e o libertador. Amávamos Sonic no início dos anos 1990 porque ele nos permitia ir além do que a linha narrativa do jogo convencionava. Quando ele chamava Tails para voar nos quatro cantos do cenário, a inocência de uma geração que começava a ter contato com um produto interativo como o videogame finalmente via na tela um mundo mais próximo do desbravador quanto o real. Toda essa proposta, esse entendimento, esse mantra soniquiano, é atirado no lixo em “Sonic: O Filme”. Com uma trama que se agarra no convencional, aposta na boa aventura para entreter e esquece o quão inovador seu material bruto conseguia ser.

Inegável que a obra não deixa de atingir o objetivo ao qual se propõe – apesar de ser difícil para nós, os “tiozões”, explicar para eles, “a criançada”, porque a ideia de um filme sobre aquele boneco nos provoca tanta expectativa. A direção de Jeff Fowler (sumido desde que sua animação “Gopher Broke” foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem em 2004) tem seus méritos e os efeitos visuais da obra não deixam a desejar. Depois dá má recepção do público para com a figura de Sonic quando do lançamento do trailer, um novo processo de pós-produção foi realizado, afastando a representação do porco-espinho da realidade para torná-lo um pouco mais “falso”. É provável que isso tenha equilibrado melhor as ações quando ele age na supervelocidade em formato de bola – algo pouco utilizado no filme, talvez pela artificialidade com a qual originalmente tenha sido concebida.

Todavia, o que se deve lamentar em “Sonic: O FIlme” é que a base de seu universo com cenários tão múltiplos e trilha sonora tão marcante, gere um longa-metragem perto do genérico. A interação com humanos em um ambiente complexo, algo que precisou ser construído, deixa a obra mais próxima de outras como “Alvin e os Esquilos” (2007) e “Garfield: O Filme” (2004 – olha o subtítulo aqui de novo!). Há uma tentativa de gerar no protagonista um desconforto causado por sua saída da terra-natal, a espetacular Emerald Hill, outra possibilidade subaproveitada. Como se a personagem precisasse se esconder para não gerar pânico entre os humanos os quais criou certa empatia imotivadamente. Ele passa os dias se divertindo sozinho, como se fosse construída ali uma metáfora do filho único – aquele que brinca com ele mesmo e solta pipa no ventilador – acreditando que isso pudesse se transformar na base de construção de um protagonista que já nos encanta há duas décadas.

Até que chegamos ao elemento da obra que, de fato, nos coloca de maneira sentimental nos anos 1990: o Dr. Robotnik de Jim Carrey. É possível que desde “Sim, Senhor” (2008) o ator não se mostre tão em forma para a comédia corporal que o consagrou. O vilão não chega a ser a “alma” do filme porque Sonic não desaponta, sendo muito bem dublado na versão legendada por Ben Schwartz. Todavia, aquele porco-espinho debochado que surge nos primeiros minutos, que poderia exercitar seus dons sem dar satisfações ou omitir sua identidade, tal qual um Tony Stark, dá alguns passos atrás no desenvolvimento do longa-metragem. Por isso, o filme depende bastante da boa performance de Carrey e ele entrega um ótimo trabalho. Os realizadores parecem ter medo de aproximar a obra da viagem semi-psicodélica que as irmãs Lana e Lily Wachowski nos entregaram no excelente (e injustamente apedrejado) “Speed Racer” (2008).

Transformar “Sonic: O Filme“, a história protagonizada por um herói com supervelocidade, em um road movie, soa até como uma brincadeira. Seu parceiro de aventura, Tom (James Marsden), não possui uma personalidade que faça sentido, saindo de diálogos carregados de inocência para decisões incrivelmente inventivas imediatamente depois. Uma obra que não se garante dentro do seu universo e se apoia em citações de cultura pop envolvendo “Star Wars“, “Homem-Aranha” e “Velozes e Furiosos“. Explora por alguns segundos sua trilha sonora clássica (e incrível, com o desmentido boato de que eram criações de Michael Jackson). Por fim, diverte e abre a porteira para uma continuação. Na entressafra dos grandes lançamentos, chega aos cinemas entre a consolidade franquia da DC de “Aves de Rapina” e “Chamado da Floresta“, o inexplicável “filme de cachorro” protagonizado por Harrison Ford. Não chega perto em qualidade do longa-metragem que eleva Arlequina (Margot Robbie) à condição de protagonista. Porém, a lógica do mercado é algo que ninguém sabe ou prevê. É provável que encontremos muito marmanjo carente de Sonic quebrando seus cofrinhos nas próximas semanas e suas opções conservadores consigam angariar novos fãs para o porco-espinho.

2 Nota do Crítico 5 1

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