Softie
Maturidade precoce
Por Vitor Velloso
Festival de Cannes 2021
Angariando uma boa repercussão em festivais internacionais e diversos prêmios, “Softie”, de Samuel Theis, é uma obra que trilha os caminhos dos projetos sobre amadurecimento, mas propõe um olhar diferente em sua abordagem. Trata-se de um longa que possui consciência no desenvolvimento de sua narrativa, sem perder de vista dois traços particulares: a questão do amadurecimento precoce de seu protagonista, Johnny, interpretado por Aliocha Reinert, e a descoberta da sexualidade do mesmo. Levando em consideração estes dois eixos centrais para a narrativa, o filme propõe uma perspectiva singular desse extrato social onde se encontra o personagem.
Sem necessariamente realizar um trato de classe, Samuel Theis inclina uma suposição para uma história que demonstra o descontentamento com sua atual situação social, econômica e sexual, a partir do olhar de Johnny, ao mesmo tempo que situa o espectador no caótico universo de uma adolescência em pleno percurso. Desde a inconformidade com os adultos pela incompreensão de suas dificuldades e maneiras de pensar, até o momento chave da obra, onde uma cena de extremo desconforto é apresentada não como jogo de sedução, mas como um ponto extremo em uma experiência que vai de encontro com o papel do professor na educação dos alunos, especialmente em seus casos particulares. Neste sentido, “Softie” não é um projeto que alcança todo seu público com facilidade, pelo contrário, afasta pela possibilidade de “queimar lentamente” sua estrutura até haver um ponto de ruptura, uma quebra que interrompe a perspectiva inicial e complexifica as relações entre os personagens. Contudo, esse drama situado em Forbach, uma região que faz fronteira com a Alemanha, apesar de possuir algumas particularidades culturais brevemente mencionadas, acaba se apresentando como apenas o palco do filme, sem nenhum acréscimo quanto à regionalidade, o que é uma pena, pois acrescentaria uma camada concreta interessante para um longa que está constantemente flertando com a densidade temática.
Por alguns dos elementos citados acima, o leitor que já teve contato com “Softie” pode criar um paralelo, não totalmente equivocado, com o famoso longa “A Caça” (2012), de Thomas Vinterberg, mas essa comparação só pode existir até um determinado ponto, pois a perspectiva se mantém fielmente ao lado do protagonista Johnny e não investe no julgamento social e na exclusão das atividades locais. Desta forma, o interesse de Samuel Theis está mais na descoberta do personagem central e sua maturidade precoce, especialmente na sua forma de enxergar o mundo, assumir responsabilidades que estão acima de sua possibilidade e descontentamento com o estilo de vida que leva, tendo como referência uma figura externa à sua família. Não por acaso, existe uma constância provocativa de Johnny com seus irmãos especialmente, criticando suas posturas, ambientes que frequentam e pessoas que os rodeiam.
O maior problema de “Softie” é justamente no “entreatos”, quando precisa organizar suas ideias para progredir em suas intenções, isso porque a montagem, assinada por Nicolas Desmaison e Esther Lowe, possui dificuldade de dar ritmo a determinados conflitos e definir prioridades nessas relações pessoais. Alguns personagens secundários são escanteados como meros dispositivos dramáticos e outros simplesmente estão ali para cumprir uma determinada agenda que o roteiro propõe, possibilitando que uma cena possua o poder de sintetizar alguma discussão proposta por Theis em pouco tempo de projeção. Por outro lado, é notável a facilidade com que esse mesmo trabalho de montagem é capaz de encontrar tempos recortados para caracterizar os sonhos e obsessões de Johnny nesse processo de descoberta, transitando entre a sexualidade e as questões materiais que o menino começa a descobrir nas novas amizades e pessoas que conhece.
Um dos grandes méritos do filme é encontrar na maturidade e talento de Aliocha Reinert, uma plataforma perfeita para traduzir o olhar carinhoso e afetivo de Theis por esse projeto e personagem. Isso faz com que “Softie” se transforme ao longo de sua progressão, entendendo novas etapas e desaguando em uma espécie de resolução melancólica de maturidade precoce, onde o ato final divide as representações de Johnny entre o cuidado com sua mãe e a dança na frente do espelho. Sem dúvida, um projeto que carrega consigo uma sinceridade rara neste ano de 2023.