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Sex

A fisiologia de um desejo-impulso

Por Fabricio Duque

Sex

Se todo homem (ser humano) é um animal social, e precisa viver  suas emoções (e desejos), exploradas pela motivação do conhecimento, sempre progressivo, de forma (co)dependente, idiossincrática, individual e subjetiva, e ainda ter que conviver com os sentimentos tão diferentes dos outros, ora mais carentes, ora mais distantes, ora muito bipolares, então podemos dizer que não há certo ou errado para o ato de se existir, apenas momentos epícuros e situacionais. Tendo isso em mente, o cineasta norueguês Dag Johan Haugerud resolve fazer a trilogia da universalidade, numa ordem “digamos duvidosa”: “Sex (Sexo)”, “Love (Amor)” e “Dreams (Sonhos)”, visto que os três filmes são datados do mesmo ano de 2024. Sim, mesmo que o realizador queira definir isso, a complexidade abstrata dessa decisão talvez nunca terá um padrão e uma verdade definitiva.

Aqui, “nessa ordem”, o primeiro que vem é “Sex”, que a biologia também caracteriza esse ato como uma consequência pragmática, cognitiva e fisiológica do corpo humano. Por lógico até, antes mesmo de assistirmos cada um dos filmes-temas, percebemos que há bastante dificuldade de separar os três em nossas cabeças, porque talvez nós tenhamos os unido como algo único, complementar e requerente. Pela moralidade e religião, o sexo é uma consequência do amor e o sonhar precede a construção dessa paixão em rotina. Pela Disney, o amor vem casto e como fantasia. Sim, cada cultura “movimentou” esses elementos de uma forma, ora os dotando de culpas e os alimentando com crises morais, e cada uma “briga” com a outra para ter o “controle total” dos argumentos. Assim, quando neste filme um homem casado sente desejo sexual por outro homem (e para completar a “confusão” sendo passivo – outro tabu “inexplicável” em nossa sociedade) e se entrega com racionalidade, a reação dos outros é tentá-lo “enquadrar” na “razão” do imaginário já construído. Ele agora é gay? Perdeu sua masculinidade perante sua mulher? Feriu os bons costumes da tradicional família? Não poderá mais tomar banho de rio com seu amigo? O que os outros acharão?

“Sex” ainda quer ser mais que isso. Mais que um simples estudo de caso. Mais que uma tese antropológica. O filme, construído por uma narrativa estranha, distante e atravessada por ruídos industriais, quer nos questionar, discutir o porquê de nossos desconfortos. A longa conversa (e estática) com o amigo na empresa e com sua esposa em casa são ofertadas ao espectador como uma terapia confessional. Quase ingênua de seu “criminoso”, que não vê problemas, mas encontra todas as maldades nos julgamentos alheios. “Sex” traz o “pacote completo” sobre os desejos humanos. Porque parece que senti-los é o inferno a quem se permite vivê-los. Essa maniqueísta consequência recebida ao falar a verdade mina sua liberdade de sua experiência e o faz ter culpa (e ver que está errado). Sim, este longa-metragem não é um filme de respostas, mas sim acontece com a exposição de todas as perguntas derivativas do tema proposto. Então, por esse estudo, a “cobaia” comprova então que nossa sociedade não está preparada, talvez, para separar os três elementos.

Em “Sex”, seu realizador ainda quer mais ao bagunçar as emoções, misturando os três vórtices existenciais, tanto das personagens quanto as nossas. O que vemos? Sua esposa o ama, e esse amor é parte do sonhar dela, uma projeção ilusória que ela criou de pertencimento dele, de o ter como seu. De limitar e controlar as vontades de seu objeto de devoção. Mas será que o sexo pode gerar novas conexões de amor, encontrando no ser amante o querer da vivência continuada? Nesse estudo pessoal, intimista e micro sobre um especifico ato sexual, que o simples fato de se pensar já “bagunça” as “regras” e moralidades de uma sociedade que realmente acredita ser consolidada na verdade absoluta. E o fato de ter acontecido não só racha, como quebra tudo de uma vez.

Como disse, a narrativa de “Sex” é estranha: buscando-se uma construção de reconstituição realista e contemplativa (como uma sessão antropológica assistida) pelo universo ao redor. A câmera estética, com a progressão milimétrica do zoom, como se fosse o nosso próprio olhar, o nosso próprio querer de se aproximar, pululado de sons externos e da música nostálgica dos anos oitenta, meio eletro-pop, criando assim um cotidiano automatizado de rotinas padronizadas, quase robóticas, em definições clínicas e adjetivas. Nessa primeira cena, um homem narra ao outro sua “aventura”, em tom técnico de narração confessional (não para chocar), mas que acaba sendo desconfortável a quem escuta, entre os reflexos de uma janela. Ele fala sobre seus sonhos com David Bowie (“Parece mais Deus que Bowie”). E visto que tudo em um sonho é estranho, o filme tem a liberdade de nos fazer preencher as lacunas para criar uma narrativa coerente. Está instaurada assim a questão da identidade, do gênero, de toda essa masculinidade tóxica e que será desconstruída por observação. Será esse homem gay? Por que sentiu desejo homossexual? A mesma cena pode ser exemplificada ao referenciar a história do episódio da terceira temporada de “White Lotus” em que Sam Rockwell conta suas experiências na Tailândia. “Desejos sexuais não são tão controlados”, diz-se.

“Sex” é uma crítica mordaz às convicções já confortáveis dos seres humanos enquanto sociais e coletivos. Se pensarmos que tudo o que olhamos é sexo e que nossas libidos são estimuladas por todos os lados, então qual é o problema de se querer viver o desejo? Pois é. Nós também somos contraditórios e insatisfeitos. “Tomar uma cerveja não me faz alcoólatra”, defende-se com o embasamento fisiológico. A vida de nosso protagonista acontece. Seu filho e o canal do youtube. Mas antes conta à esposa os detalhes do ato sexual. Na verdade, esta obra é uma tentativa de plantar a semente da dúvida (e explorar os desejos reprimidos). De se permitir pensar em outras opções e formas de se vivenciar o prazer. Tudo aqui é uma parábola e a mensagem moral é “guarde o que viveu no coração”. Mas por que não podemos dizer a verdade e ser fiéis aos nossos instintos? O final precisa ser moralista, visto que o mundo de hoje precisa ainda de muito tempo para normalizar as diferenças sentidas.

“Sex” também é sobre hipocrisias. Numa outra família, cristã, consegue ser muito mais aberta do que a outra que não é. O amor parece tão frágil, tão transitório. Um pouco eufórico, não tão nervoso. E no final, a fusão em que tudo se amalgama. Sim, não há como negar: tá tudo junto e misturado. “Sexo” é o filme que discute mais o amor e o sonho que os outros. “Amor” vem com mais sexo que sonhos. E “Sonhos” é o mais amoroso dos três. Talvez a moral da história precisa ser: viva mais e racionalize menos. E aproveite os três filmes, porque são verdadeiras pérolas sobre a existência humana.

4 Nota do Crítico 5 1

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