Direção: Manoel de Oliveira
Roteiro: Manoel de Oliveira, Júlia Buisel
Fotografia: Sabine Lancelin
Elenco: Michel Piccoli, Bulle Ogier, Ricardo Trepa, Leonor Baldaque, Júlia Buisel
Produtor: Miguel Cadilhe
Produtora: Filbox Produções
Distribuidora: Onoma Internacional
Duração: 70 minutos
País: Portugal / França
Ano: 2006
COTAÇÃO: MUITO BOM
O cinema do diretor Manoel de Oliveira, português, com seus cento e um anos, apresenta-se como um estilo autoral. Descritivo ao extremo, com imagens, diálogos e ou ações. Neste filme de curta duração, ele realiza uma homenagem ao surrealismo francês. O diretor faz um tributo a Luis Buñuel, diretor e roteirista, e a Jean-Claude Carrière, roteirista, do filme A Bela da Tarde, de 1967. Ele destaca duas das mais estranhas personagens do filme original e as revive. Trinta e oito depois de descobrir que Séverine Serizy (Bulle Ogier), esposa de um amigo, se prostituía, Henri Husson (Michel Piccoli) a reencontra em Paris. Ela o evita a todo custo, mas ele insiste em encontrá-la. Henri promete revelar um poderoso segredo, algo que Séverine há muito deseja saber, e a convence a jantar em seu hotel. Lá, ela pergunta o que ele revelou a seu marido, quando este estava mudo e paralítico. Mas Henri não quer dizer se falou ou não sobre a prostituição de Séverine. Para ele, o jantar é apenas outra forma de exercer seu sadismo.
Um espetáculo serve de abertura metalinguística. Une o útil ao agradável. Realiza-se o início com sofisticação e austeridade. O personagem principal vê o que está sendo apresentado, em planos longos e reflexivos. Ele persegue alguém e perde o interesse no concerto clássico. Esse alguém, uma mulher, aprecia a música. Quando as luzes se acendem, ele começa a perseguí-la. A camera espera, deixa a trama acontecer com o mínimo de cortes, fornecendo captações do cotidiano real, como a saída das pessoas no teatro, o tempo do caminhar e o contraste dos carros passando.
Os planos longos e abertos são recorrentes, com música para situar o espectador. E intercalam-se com closes e expressões. Há desencontros, quereres de afastamento e de aproximação. Paris de noite. As cores vivas aparecem em destaque no meio da fotografia pastel, pálida e amaderada. Um exemplo é a caixa vermelha próxima ao sobretudo preto. Objetiva-se a perfeição da imagem. Como a espera na janela, expressando uma pintura em movimento. Há sofisticação, elegância, ‘finesse’, riqueza de detalhes e de obras, simplicidade natural de ser em seus ambientes e em seus personagens, que podem transmitir a alma soturna, diabólica, sádica, suja e pobre sem precisar mascarar. Pode-se ser o que quiser. Manipula-se sem ética o indivíduo. O silêncio, observado em obras e monumentos, omite a explicação, respeitando assim a inteligência de quem está do outro lado da tela.
O ápice da homenagem a Bunuel é sem dúvida a cena do galo que aparece para mostrar que nem tudo precisa ser entendido. E que o surrealismo é uma forma subjetiva de ver as coisas. As ações finais, como a arrumação de cena do fim de uma peça de teatro, terminam o longa que merece ser visto. E tudo volta ao normal. Cada um na sua, até o próximo sentimento excêntrico do seu anfitrião. Recomendo.
Manoel de Oliveira Nasceu em 12 de dezembro de 1908, na cidade do Porto, em Portugal. É o mais antigo diretor em atividade. Começou na profissão com um filme mudo, o curta Douro Faina Fluvial (1931). A estreia na ficção deu-se com Aniki-Bóbó, de 1942. Em 1967, Oliveira torna-se referência do manifesto chamado “Cinema Novo”, que reuniu cineastas que formariam o Centro Português de Cinema (CPC), cooperativa que criou um plano de produção para os anos 1970. Participou de inúmeros festivais e conquistou diversos prêmios, entre eles com A Carta (1999) e o Leão de Ouro em Veneza 2004 pelo conjunto de obra.
Filmografia
2010 – O Estranho Caso de Angélica
2009 – Singularidades de uma Rapariga Loura
2007 – Cristóvão Colombo – O Enigma
2006 – Sempre Bela
2005 – Espelho Mágico
2004 – O Quinto Império – Ontem Como Hoje
2003 – Um Filme Falado
2002 – O Princípio da Incerteza
2001 – Vou para Casa
2000 – Palavra e Utopia
1999 – A Carta
1998 – Inquietude
1997 – Viagem ao Princípio do Mundo
1996 – Party
1995 – O Convento
1994 – A Caixa
1993 – Vale Abraão
1992 – O Dia do Desespero
1991 – A Divina Comédia
1990 – Non, ou a Vã Glória de Mandar
1988 – Os Canibais
1986 – O Meu Caso
1985 – Le Soulier de Satin
1981 – Francisca
1979 – Amor de Perdição (filme)
1974 – Benilde ou a Virgem Mãe
1972 – O Passado e o Presente
1963 – Acto da Primavera (docuficção)
1942 – Aniki-Bobó