Sebastian
A vida dupla de Max
Por Pedro Sales
Festival do Rio 2024
Em minha crítica de “Vidas Passadas” (2023), trouxe a máxima básica da literatura: “Escreva sobre o que conhece”. A retomada dessa ideia aqui no contexto de “Sebastian” (2024) se faz necessária, sobretudo pelo fato de o protagonista viver uma vida dupla para escrever um romance. No drama dirigido por Mikko Mäkelä, é necessário entrar em determinado mundo para conhecê-lo e, posteriormente, escrever acerca dele. Apesar da complexidade que depreende da situação, o filme nunca parece suficientemente ousado para trazer contrastes entre as duas vidas. Tudo é mantido em certa segurança e controle do personagem e, por extensão, do cineasta. Da mesma forma, os dilemas morais são enfraquecidos dentro da trama. Parece, então, que falta ao longa um encaminhamento dramático potente, assim como o erotismo pretendido é quase nulo.
Max (Ruaridh Mollica) é um escritor de 25 anos que trabalha para uma revista digital. Escalado na editoria de literatura, com ênfase na temática queer, o autor está em fase de construção do primeiro romance. Antes, era apenas um contista considerado talentoso. Na obra, ele narra a trajetória de Sebastian, jovem prostituto que tem como clientes homens mais velhos. O personagem do livro desponta como face da prostituição nos tempos da internet, em contraste com a venda “mais simples” do corpo, por meio de fotos e vídeos em plataformas como Only Fans. A grande questão é que Max vive a vida de Sebastian. As experiências sexuais narradas são as que o escritor vive, sob o perfil falso no site de acompanhantes. O medo de ser descoberto e o fato de que o desenvolvimento do personagem depende da própria “pesquisa de campo” são fatores explorados a todo momento.
“Sebastian” se inicia com uma conversa entre dois homens. Um mais velho e outro mais novo. Um corte seco alterna o diálogo com o sexo. Filmado de maneira crua, sem qualquer tesão ou erotismo – como a maior parte das cenas de sexo do longa –, a relação sexual parece uma reprodução da troca comercial. O maior valor, porém, não reside nas centenas de euros que Max recebe após se relacionar com alguém. Ele vem à noite, quando o escritor reescreve as conversas e narra de maneira muito aprofundada a vida sexual de um garoto de programa. Neste sentido, Mikko Mäkelä efetivamente já imprime o tom da obra nos minutos iniciais. A montagem que alterna a escrita com o fato é um recurso muito potente para estabelecer a ideia. Se por um lado, a obra começa bem, não se pode dizer o mesmo de sua continuidade. O roteiro é muitas vezes repetitivo nas transas e na vida-dupla de Max. Apesar de querer que a possível descoberta que seja um ponto dramático, em momento nenhum o cineasta consegue provocar tensão.
Em primeiro lugar, o diretor parece ser pouco imaginativo para os diferentes clientes que podem aparecer. Max, como Sebastian, possui versatilidade na cama, é passivo e ativo. O garoto de programa também experimenta coisas novas, mais material para seu livro. Ele se dispõe a encarar uma orgia devido à escrita. Nada disso, no entanto, parece causar desconforto. No máximo quando ele precisa se masturbar antes de “encarar” o cliente. O ambiente de trabalho sexual é muito controlado, o que é natural para um filme em que o escritor diz que “não quer que seja apenas mais uma história trágica de trabalhadores sexuais”. Ainda assim, o filme falha em estabelecer o ambiente como um desafio para o escritor, algo que o consuma. Só caminha nesta direção bem no final, desloca o conflito para o último terço do longa, o que torna o restante muito monótono. O mesmo vale para descoberta, filmada de maneira quase ingênua, em que a dramaticidade só é evocada após, e não no momento. A trilha se acentua, ao passo que ele apaga os contatos depois de ser reconhecido por Nicholas (Jonathan Hyde).
O aprofundamento dramático pretendido por Mikko Mäkelä em “Sebastian” lida com muitos problemas também. A introspecção é construída somente por closes do rosto de Max, panorâmicas e planos com câmera na mão em que ele anda sozinho pelas ruas. Construção típica dos filmes-de-festivais. Formalmente, a obra só ousa após a descoberta, com a dupla exposição ou a imagem refletida de forma desfocada, representação imagética do sentimento do personagem. A ternura na vida do jovem surge a partir de uma relação afetuosa com um dos clientes, que até funciona. Os dilemas profissionais, por outro lado, são esvaziados. Talvez por falta de equilíbrio em evidenciar que aquelas questões também são tão caras ao personagem quanto o livro em si e o medo da revelação. Por fim, é um filme que de fato não é apenas “mais uma história trágica de trabalhadores sexuais”, porém não é uma obra que explora bem os desafios da profissão e da tal vida-dupla. Muitas vezes inócuo dramaticamente, o longa não se aprofunda no personagem e o fato de inserir um trecho de “Aos Nossos Amores” (1983), de Maurice Pialat, só nos lembra de que vários outros filmes de fato mergulharam no âmago psicológico da descoberta sexual.