Santiago das Américas ou o Olho Terceiro Mundo
Cultura e Produção Simétricas
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2020
A filmografia de Silvio Tendler é um exemplo de pragmatismo didático na compreensão da realidade Histórica brasileira. Assim, “Santiago das Américas ou o Olho do Terceiro Mundo” vai tratar de uma relação cultural latino-americana em virtude dos modos de produção cinematográficos brasileiros. Aqui, cabe dizer que o diretor possui relações diretas com o protagonista do documentário.
Os projetos de Silvio, nos últimos 15 anos, tratam de uma simetria na linguagem cinematográfica e televisiva, uma espécie de dialética formal entre os dois modos de produção e exibição. Assim, o longa exibido no É Tudo Verdade emula esta síntese dialética, não à toa, surgem letreiros “maiúsculos” durante a exibição do filme, a fim de reforçar alguma questão oral do discurso para a escrita. Os recursos de materiais de arquivo dão conta de transportar a realidade de Cuba após a Revolução para um âmbito que compreenda a verve cultural unida à política. Desta forma, o diretor concentra seus esforços em resgatar a memória e a relação íntima dos meios de comunicação com revoluções culturais. Santiago é o personagem perfeito para o protagonismo dessa longínqua relação entre a reportagem x o cinema x o jornalismo.
Seus trabalhos vão além da panfletagem previamente, e ignóbil, julgados pelos reacionários de plantão, contemporâneos. Isso se dá através de uma leitura apressada e inconsequente de como a denúncia e a informação são transmitidas através do apoio do Estado. Aqui cabe aos liberais e socio-democratas criarem suas ponderações na produção cultural latino-americana. A influência na construção desse retrato no mundo socialista, onde o Estado torna-se o principal fomentador da produção cultural, é fundamental para a compreensão das vanguardas que alucinaram Godard, Antonioni e Joris Ivens, tornar claro que essa negociação entre a arte e o Estado como a síntese entre o olhar criativo e o retrato da realidade sócio-econômica de uma cultura. Silvio, sempre foi conhecido por seu didatismo recorrente na relação discurso versus forma, e “Santiago das Américas ou o Olho do Terceiro Mundo” não foge à regra, pois dito que sintoniza as antenas e a sala escura torna o exercício dual em linguagem e recepção.
A reverência aqui feita torna-se ponto chave do engajamento do espectador perante à obra. Onde a História é centralizada no olhar da criação de Santiago, o cinema se faz híbrido entorno da realidade que busca compreender em si, e a através de uma montagem que respeitando os ditos de Eisenstein, intuitivamente correlaciona os planos entorno da organicidade de uma comunicação direta, complexa, mas didática. À sua maneira, o cineasta brasileiro redireciona os esforços do cubano à oralidade que se faz dialética, didática em suma de comunicação imediata. Sem dúvida, a diretriz é compartilhada entre os países, subdesenvolvidos, que mantiveram relações estreitas a partir do início dos anos 2000. A tônica da síntese, profetizada por Glauber (cineasta protagonista de algumas obras de Tendler), torna-se um reverb materialista da problemática Histórica da América Latina. Preconizando à concepção da produção cinematográfica, as políticas entraram com conjuntura uníssona, sem equívocos quanto a concessões ideológicas de divergências explícitas.
A burocracia que ligava os dois países por um alinhamento, alienante, da representação de ambos no cenário internacional foi destituída através de figuras críticas ao imperialismo norte-americano e europeu, assim como os cineastas tornaram produtiva as diferenças terceiromundistas que os cercavam o documentário vai atrás de memórias culturais cubanas como Guevara, Guerri, ICAIC, Santiago, o brasileiro Orlando Senna e o próprio Silvio. O documentário consegue dar conta do contexto histórico e das relações de produção contemporâneas, mas falha em pontos estratégicos na necessidade de compreensão da materialidade dessa história, ignorando pontos cruciais para a categorização de ambos países como irmãos políticos através do tempo. Já citado, Glauber é figura equívoca no retrato do contexto histórico aqui representado pois sua relação, conturbada, não conseguiu apaziguar os polos de produção de sua irremediável política acerca da liberdade criativa do produtor latino-americano.
“Santiago das Américas ou o Olho do Terceiro Mundo” é uma obra que traça sua diretriz com clareza inequívoca, porém secciona fatores de suma importância no debate entorno da cultura e da produção cubana. Didático, consciente mas sintético demais, o novo filme de Silvio Tendler é uma contribuição histórica inegável, mas acaba criando vácuos ao determinar suas exposições através dos dispositivos de linguagens.