Curta Paranagua 2024

Retrato do Amor

Retrato do Amor Photograph

O Mesmo Amor, A Mesma Foto

Por Jorge Cruz

 

 

O braço da Amazon como produtora e/ou distribuidora de conteúdo audiovisual, rechaça o uso de algoritmos indiscriminadamente de sua rival direta Netflix. A notícia de que partiria dela a campanha de lançamento de “A Vida Invisível” encheu de esperança os brasileiros, que torcem para que em 2020 o Oscar de produção estrangeira venha para cá. Porém, nem sempre um filme menos genérico é sinônimo de originalidade. Em “Retrato do Amor“, valeu o esforço pela fuga dos clichês, em tentativa de atualização de gênero, mesmo que em base frágil, que se sustenta por algum tempo.

No filme somos apresentados a uma Índia moderna, em que o protagonista Rafi (Nawazuddin Siddiqui) é um solteirão convicto que trabalha como fotógrafo nos pontos turísticos de Mumbai. Ele abomina completamente a cultura do dote, mas precisa lidar com sua avó que, buscando manter a tradição de sua casta, insiste que o neto deve encontrar uma mulher para se casar. Quando ela decide visitar Rafi em uma espécie de ultimato ele cede à pressão e descreve em uma carta sua futura esposa como “uma mulher com olhos cheios de perguntas e mente cheia de respostas”.

Rafi, então, pede ajuda para Miloni (Sanya Malhotra), uma conhecida que ele fotografou.  Uma órfã que precisou buscar sua independência e é apresentada como prodigiosa estudante de administração e finanças. Usa seu tempo na busca por empoderamento e possui grande autonomia, o que causa estranhamento entre as mulheres. Ela não aceita uma realidade em que não haja adequação aos seus interesses. Esse conflito geracional é um bom ponto de partida e “Retrato do Amor” consegue traçar esse panorama de maneira eficiente.

Uma escolha interessante do roteiro de Ritesh Batra (também diretor) é não mostrar as tratativas da combinação entre Rafi e Miloni. Quando abrimos os olhos em determinada cena eles já estão naquela situação em que vão fingir um relacionamento, assim como na vida, quando nos perguntamos como chegamos àquela situação. Essa fragilidade da relação entre público e personagens, nessa insegurança em que se coloca ao espectador, aumenta o tempo de vida da trama. Porém, é inevitável que, em queda livre, o ritmo cai na medida em que aquela estrada habitual do romance seja asfaltada.

Quando a avó de Rafi finalmente entra em cena fica claro que ela é uma pessoa racista. O choque geracional ganha ainda mais potência e debates intrigantes sobre a importância do homem ganhar mais que a mulher; sobre como é vergonhoso para os filhos que a mantenedora da casa seja a representante do sexo feminino; dentre outros. Aquela senhora ultrapassada chega a sugerir que um homem deve ser negar a comer a comida se esta foi comprada pela mulher. Faz falta propor algo além disso, superar a contextualização. A abordagem otimista de que o amor e a felicidade à sua maneira triunfam em qualquer época não exclui a possibilidade de desconstrução de um cenário. Acaba que a idealização positiva do romance se transforma em um retrato negativo da sociedade, entendo que a solução para nossos problemas e cuidarmos cada um do seu, já que a chance de uma construção coletiva sem amarras e preconceitos é impossível até mesmo na ficção.

Como diretor, o trabalho de Batra é protocolar, comum a uma produção que tenta atualizar um texto tantas vezes encenado, com apenas mudanças pontuais pautadas pela época. Já a trilha composta por Peter Raeburn é linda e casa muito bem com as cenas, permitindo que em determinadas situações o material se aproxime de um lirismo aconchegante. Lembra o trabalho de Michael Andrews em “O Relutante Fundamentalista” (Mira Nair, 2012), outro exemplo de atualização de narrativa para despertar o interesse das novas gerações em países ocidentais – a diferença é que nesse a ambientação é no Paquistão. Só que a trilha de Raeburn é mais acolhedora, carrega algo mais simbólico do que qualquer outro elemento do filme consegue.

Só que depois de todas essas caracterizações, ambientações e abordagens “Retrato do Amor” fica flanando, em direção lenta ao final esperado. Até mesmo ao fugir do óbvio, tenta enquadrá-lo na realidade que acredita que o consumidor espera. Tanto combustível não é queimado para formar um produto vigoroso. O filme resseca, girando em um lugar comum que retira no terço final boa parte do impacto, que já não era muito esperado.

2 Nota do Crítico 5 1

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