Artigo
Hoje vai ter uma festa, Woody!
Por Fabricio Duque
(Artigo escrito em 02 de dezembro de 2019 para compor as comemorações do aniversário de Woody Allen)
Woody Allen, judeu-novaiorquino nascido Allan Stewart Königsberg, completou hoje, dia primeiro de dezembro, oitenta e quatro anos. Com cinquenta e cinco obras cinematográficas listadas no IMDB, o realizador construiu um gênero próprio que de longe se consegue identificar características particulares de suas potências idiossincrática. Há uma máxima que ronda críticos e cinéfilos de plantão: a de que “até seu filme mais fraco é ótimo perante aos outros”, devido a cada final de ano, recebermos um presente de humor inteligente, rabugento, acidamente perspicaz e deliciosamente divertido. É a comédia da vida com toques esbanjados de tempero agridoce. Nós espectadores somos convidados a adentrar a fantasia que mascara projeções de realidade, criando assim a credibilidade do elemento surreal, que acontece pelo acaso, como situações casuais que desencadeiam reviravoltas, que geram novas desventuras existencialistas-amorosas, que por sua vez “atendem” exatamente o que o coração perdido e apaixonado sempre desejou.
Desde “O que Há, Tigresa?” (1966) até seu último filme lançado “Um Dia de Chuva em Nova York” (e já em pós-produção de “Rifkin’s Festival” – com Christoph Waltz, Gina Gershon, Wallace Shawn ), é inevitável os altos e baixos. Sim, caro leitor, ninguém é perfeito, até mesmo Woody Allen que respira e reverbera perfeitas criações, como “A Rosa Púrpura do Cairo”, “Manhattan” e “Blue Jasmine”, tem seus momentos de “mortal”. Nós amantes da sétima arte fomos estreitando relações afetivas ao longo do tempo com seus longas-metragens, e agora esse baixinho de óculos, que parece que se quebrará pela figura vulnerável, pode galgar todos os caminhos e narrativas possíveis com nosso aval mais que cúmplice. Cuidado! Nunca diga a um fã que você não gostou de um filme dele, porque você poderá se tornar um inimigo. Pois é, eu de certa forma assumi o risco para não detonar o longa-metragem que ainda está em cartaz nos cinemas, e sim para elencar fragilidades e uma possível tendência do cinema atual, que precisa se nivelar por baixo para agradar gregos, troianos e judeus. Há quem diga que Um Dia de Chuva em Nova York” não é um filme de Woody, talvez pela gentrificação moderninha de falar a língua dos jovens. Ou talvez seja apenas um respiro de um diretor que descomplicou as manias, simplificou o caminhar e se resignou com as limitações do próprio público. Será?
Homenagear Woody é bagunçar este texto com idas e vindas fora de ordem e tempo, começando por “Manhattan”, de 1979. Na película sobre Nova Iorque, o diretor neurótico mais adorado pelos cinéfilos declara o seu amor incondicional pela cidade que nunca dorme. Woody a apresenta em fotografia preto-e-branco, utilizando-se da metalinguagem de se apoderar das palavras de seu personagem escritor, confuso, quase “esquizofrênico” na verborragia de pensamentos e opiniões. A câmera inicia o filme mostrando imagens documentais de uma Nova Iorque do final dos anos oitenta para ao longo da exibição limitar a cidade a planos estáticos e distantes, ora desfocados, direcionando a atenção apenas aos personagens, e às vezes percorrendo caminhadas “conversadas”, expondo ao máximo o talento e a entrega dos atores, como Diane Keaton, Meryl Streep e Mariel Hemingway (vivendo uma estudante de dezessete anos). Sim, eu sei, Woody Allen é um gênio com suas trilhas-sonoras com jazz, sua melancolia imagética e seus créditos sempre com a mesma fonte tipográfica.
Em “Tudo que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha vergonha de perguntar”, de 1972, baseia-se no livro homônimo de David Reuben para criar o roteiro, que se apresenta em capítulos sobre o tema sexo, estruturados com humor sarcástico e em tom de comédia exagerada. O título curioso em Portugal, “O ABC do amor”, tenta fornecer a “possibilidade” de um filme possível a todo público. O diretor quebra barreiras, pós-movimento 1968, ao abordar orgasmos, espermatozoides, sodomias, e tantas outras. O longa-metragem é dividido em sete esquetes, corroborando a estrutura narrativa de “Comédia da Vida Privada”, em que instantes definem mais indivíduos que seus equilíbrios.
Sabe o que eu queria de verdade? Falar sobre cada um dos filmes. Mas também tenho a certeza-noção que se fizesse isso, nós teríamos um livro de mais de mil páginas em letra bem pequena. Vou me atentar a resumir percepções subjetivas sobre sua vida e obra. Woody Allen desde os quinze anos frequentava Universidade de New York, mas nunca se formou. Começou como comediante-pastelão e aos poucos se embrenhou no tão difícil mundo dos cineastas autorais que figuram em toda e qualquer lista cinéfila. Sem exceção. Só que este também não é um texto sobre a biografia e/ou sobre listar os filmes de sua carreira, que incluem “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, vencedor de Melhor Diretor e Roteiro no Oscar de 1978, “Memórias”, “Interiores”; “Bananas”, “Broadway Danny Rose”, “Hannah e suas Irmãs”, “A Era do Rádio”, “Neblinas e Sombras”, “Celebridades”, “Poderosa Afrodite”, “Desconstruindo Harry” e sua fase na Europa (“Vicky Cristina Barcelona”, “Meia-Noite em Paris”, “Para Roma, com Amor”), após de se “cansar” de Nova York.
Também não quero fofocar sobre sua vida pessoal. O que eu vejo em Woody Allen é a sensação plena de felicidade que sinto após assistir suas neuroses personificadas. Tanto que fiquei quase duas horas na fila do Madame Tussauds em Nova York para “tirar uma foto” com nosso “carrancudo” favorito versão cera, também sagitariano (um dos signos mutáveis), igual a mim. E/ou ter corrido (literalmente) pelo Festival de Cannes para entrevistá-lo. Quando consegui, ele riu e foi embora. É por isso talvez que “Meia Noite Em Paris” seja tão especial, porque permite que possamos viver nossas impossibilidades espaciais e receber monólogos verborrágicos e surtos humanizados, tendo a organicidade da realidade editada e muito bem fotografia, majoritariamente pelo “mago da luz” Vittorio Storaro. O preâmbulo do filme retrata as variadas maneiras de se olhar a Paris. São instantes cotidianos que passam pelo sol, chuva, dia, noite, entardecer. É uma transição temporal quase de guia turístico. Assim, permite que o espectador se apaixone de imediato, abusando de geniais (e básicas) manipulações. Outro diferencial é usar diálogos em off, ainda nos créditos. “Não existe cidade mais bonita”, diz-se. “Você está apaixonado pela fantasia”, rebate-se. A fotografia alaranjada apresenta nostalgia, contrastada com o acidez do texto. “Paris é uma festa. Já dizia Hemingway”, ele diz. “Neste trânsito, perde-se a festa”, alfineta-se com agressividade.
É é isso que Woody Allen faz: desperta nossa inocência mais nostálgica pela sensibilidade do estar na condição do momento. De respeitar as intenções e idiossincrasias do outro. É aceitar que cada um possui um tempo único, ainda que interpelado com intervenções de sinceridades ultra verdadeiras em línguas ferinas. É entender com emoção que tudo é traduzido com humanidade e com falhas presentes em todo e qualquer ser. É a tradução plena da própria existência nas vidas tão complexas e tão diferentes entre si. Feliz Aniversário Woody!