Receita de Caranguejo
Afetividade e narrativas
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Gramado de 2020
No primeiro dia da programação do Festival de Gramado “Receita de Caranguejo” de Issis Valenzuela foi um dos curtas exibidos. O tom memorial de acontecimentos e sentimentos é o que norteia o projeto, que busca um lugar na esquerdo pulsante da realização, mas compreende que nem tudo nesse campo da memória, são flores.
O afeto é a tônica, mas não é uníssono. Entre as reverberações do passado, há o temor do desconhecido, da não-comunicabilidade, onde o abraço ganha sintonia diferente do prosaico. E a direção busca sempre olhar das sutilezas para o dia-a-dia, uma refeição de caranguejo unida da memória na produção e do desconhecido em cena. Não à toa, há breves encontros com o proto sobrenatural, uma espécie de desafio da encenação artística naturalista, que se vê perturbada através do áudio em primeira instância e da imagem em segunda. Pois o som e a morte rodeia uma simples refeição, de feições explicitamente familiares, tanto pela exposição do fato através dos diálogos, quanto pela sincronia memorial da obra.
São através destas nuances da proposição afetiva, que “Receita de Caranguejo” consegue conquistar parte de seus feitos, pois não apela para o tom emocional como quem quer arrancar sentimentos do espectador, sim porque sente as questões de maneira latente na narrativa. E essa é a diferença entre a sinceridade de uma obra e a pretensão ocasional de outras. Aliás, apenas conceber discurso ou memória, é um exercício de canhestros, a obra em questão pensa a forma de maneira simultânea, logo, é eficiente em articular suas particularidades, sem soar reacionário como um Kaufman.