Curta Paranagua 2024

Quando Eu Me Encontrar

Vou por aí a procurar...

Por Pedro Sales

Durante o Festival Olhar de Cinema 2023

Quando Eu Me Encontrar

Um bilhete deixado no quarto informa que Dayane não está mais em casa. Ninguém sabe para onde ela foi ou sequer porquê ela partiu. A incompreensão da partida, dessa maneira, toma conta da mãe Marluce (Luciana Souza), da irmã Mariana (Pipa) e do noivo Antônio (David Santos). Cada um deles deve superar esse baque, ou ao menos tentar, e dar continuidade à vida, que não pode parar nem por um segundo. É com essa premissa que o longa participante da mostra Competitiva Brasileira do 12º Festival Olhar de Cinema, “Quando Eu Me Encontrar”, se estabelece. Dirigido e roteirizado por Amanda Pontes e Michelline Helena, a obra demonstra de maneira sensível a busca do trio pela normalidade diante da ausência intencional de uma pessoa querida e amada.

As diretoras constroem de maneira muito concisa e direta o conflito que move a trama. Já nos primeiros minutos, todos estranham esse sumiço e não demora muito até que a fuga seja descoberta por mãe, irmã e noivo. Com essa catarse emocional precoce, o longa otimiza o tempo e passa a se dedicar inteiramente aos desafios singulares em lidar com a falta. Refúgios diferentes para pessoas diferentes, é assim que Michelline e Amanda mostram como os três personagens enfrentam esse abandono. O processo é quase um luto, mas com a constante esperança do retorno a qualquer momento, esperando que Dayane possa, talvez, responder às mensagens no WhatsApp e atenuar as preocupações. Mesmo distante da tela, a presença da filha/irmã/noiva é tangível. Ela se faz presente por meio da ausência, pois em todo momento os personagens pensam nela. A montagem sobrepõe os ecos da voz de Dayane nos momentos de lembrança, pontuando de maneira bastante potente a saudade e a memória. Quando as coisas parecem estar voltando aos trilhos, a voz dela surge para lembrar que ela não está mais lá.

Em “Quando Eu Me Encontrar” a música transpõe o mero impulso emocional e exerce um papel discursivo determinante para o longa. O próprio título, inclusive, vem à tela ao som de “Preciso Me Encontrar”, de Cartola, canção que antecipa, de certa forma, essa fuga do seio familiar em busca de novas realidades ou de um lugar onde possa “assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr”. Paralelamente, as canções servem como um elo com Dayane. Mariana, a irmã, ameniza o sentimento com fones de ouvido e se entregando para o pop adolescente em uma festa.  Antônio, por outro lado, ouve brega bebendo cerveja, afogando as mágoas e aborrecendo seu amigo. Enquanto a mãe canta sozinha em casa e imediatamente a voz de sua filha lhe vem à memória. Em determinado momento, esse papel discursivo também se torna dialógico. Cecília (Di Ferreira), amiga próxima de Dayane e cantora do bar, passa a ser procurada por aqueles que querem saber o destino dessa oculta protagonista. Quando Antônio aparece para aborrecê-la com as incessantes perguntas e eventuais ofensas, a cantora lhe dedica “Trocando em Miúdos”, de Chico Buarque. A cada verso que ela canta-declama cresce um embate neon muito bem pontuado pelo campo e contracampo. Ela desfere palavras e o mero ouvinte recebe os golpes.

Outro ponto de destaque do filme são as atuações. Amanda Pontes e Michelline Helena constroem situações que remetem muito ao cotidiano brasileiro, o que promove conexão e momentos pontuais de humor. São alguns desses detalhes pequenos da direção – o nome de Dayane entalhado no peito do noivo, a vizinha que se intromete e a penetração da tecnologia na juventude pelo TikTok – que atribuem uma carga realista, a qual consequentemente engrandece as performances. A presença de Luciana Souza em tela, por exemplo, demonstra a resiliência materna de quem deve continuar sustentando o lar nessa jornada dupla, e o uso de frases típicas de mãe provocam essa sensação. Assim, a atriz transmite muito bem a autoridade de sua posição, sobretudo ao contracenar com Pipa, que por sua vez tem um destaque a mais. O filme, ao propor essa superação da partida, se envereda também em subtramas, como a escola de Mariana. Por mais que se distancie do conflito central, esses momentos mostram essa tentativa de continuar a vida.

“Quando Eu Me Encontrar” é um longa que discute com sensibilidade o desafio de se aceitar os voos repentinos e totalmente injustificados, sem respostas. As atuações do trio Souza, Pipa e Santos sustentam a dor pela ausência de Dayane, o luto é próprio para cada um. É natural que um noivo abandonado se sinta desiludido e até desprezado, ao mesmo tempo, a mãe terá muito mais o ímpeto da preocupação e até do perdão. A angústia que Amanda e Michelline desenvolvem advém principalmente da imprecisão. O desaparecimento, ainda mais sem explicações, é fonte para qualquer tipo de pensamento, até para querer atribuir a si mesma as responsabilidades desse ato. Apesar dessa constante sensação, o filme evita cair no melodrama, mesmo tendo a música como pilar de sua estrutura, e consegue extrair um humor contido e efetivo. Os risos surgem, mas são sufocados pela voz que relembra a falta.

3 Nota do Crítico 5 1

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