Pureza
O divino amor de uma mãe coragem
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2019
Há uma lógica na própria vida que vivemos no que cerne as tendências do cinema, principalmente o brasileiro. É uma filosofia popular quase óbvia à moda do bordão de um comercial passado de um biscoito: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais”. Pois é, talvez nunca saberemos, tampouco entender o motivo da retroalimentação (um círculo vicioso) da zona de conforto padronizada que rege os filmes atuais, estes que cada vez simplificam suas narrativas com suavizações palatáveis ao grande público. Podemos até ir um pouquinho mais longe e constatar que este pensamento não é nem um pouco respeitoso com seu público, especialmente por nivelá-lo por baixo. E dentro tudo isso há o comodismo quase preguiçoso do não estímulo à reinvenção. De repercutir e reverberar o que se acha que vende a espectadores acostumados a não serem surpreendidos com algum desvio do senso comum. Sim, esse imaginário de diretores de cinema só atrasam nossa própria cinematográfica, que se engessa mais nos clichês condicionados pela alienação maciça daqueles que têm o poder de permitir mudanças.
Todo o parágrafo-preâmbulo acima serve para semear o questionamento crítico sobre o filme “Pureza”, que integra a mostra competitiva de longa-metragem ficção do Festival do Rio 2019. Dirigido pelo brasiliense candango Renato Barbieri (do documentário “Cora Coralina – Todas as vidas”), a obra, livremente inspirada em fatos reais, em questão aqui apresenta-se essencialmente como um melodrama sobre a jornada épica de amor incondicional de uma mãe em busca de seu filho, a personagem real Pureza (uma “santa” evangélica, caridosa e altruísta), que bradou céus e terras nas “profundezas do Brasil” e comprovou que ser mãe é padecer no paraíso. A narrativa encontra ecos em “Mãe Coragem e os Seus Filhos”, do dramaturgo Bertolt Brecht, e em inúmeros filmes de temáticas semelhantes, como “A Busca”, de Luciano Moura, e/ou “Meu Querido Filho”, de Mohamed Ben Attia.
Em “Pureza”, ainda que suas interpretações sejam ultra anti-naturalistas devido às fragilidades do roteiro, descobrimos o verdadeiro significado de um ator, que para existir plenamente precisa sim ser uma marionete não rebelde a seu diretor. Sim, precisamos falar da atriz paraense Dira Paes, que encarna o papel protagonista com as limitações do que recebeu para construí-lo. A fim de delinear o tom do filme, Renato nos conduz pela potencialização de nossa emoção, fazendo com que sejamos cúmplices de sua ingenuidade quase infantil. Nós somos imergidos um um manancial sentimental de excessivos e sôfregos dramas pessoais. Tudo para nos mostrar um documento ficcional de denúncia sobre o trabalho análogo à escravidão que ainda se manifesta nos confins dos interiores de nosso país.
O longa-metragem objetiva traduzir-se como uma novela, apelando com pieguice as angústias de uma mãe em sofrimento. “Pureza” é um filme de estereótipos que enxerga nas caricaturas criadas uma aceitação inocente. Mas não se consegue. Talvez porque nós tenhamos muito mais defesas cínicas. Assistir Dira com uma enxada na mãe produzindo tijolos e/ou discursando sobre direitos humanos no Ministério Público em Brasília (“orgulho de achar que estou em uma Nação livre” e acreditar no Brasil – época de transição de Itamar Franco) e/ou defendendo sua sobrevivência é referenciar um “faroeste caboclo” de vidas simples em uma terra sem lei dominada por fazendeiros poderosos. Quando seu filho procura o “Eldorado” do garimpo, Pureza tem um premonição ruim (“muito novo para cair no mundo”, ela diz), principalmente quando a mise-en-scène quebra o prato para indicar a tempestade profética (chuva que lava a morte). Tudo embalado com a trilha-sonora sentimental que rasga com efeito nossas emoções-olhares para nos imergir na sensação subjetiva da personagem que olha a foto do filho dentro de uma Bíblia. E/ou quando o “chefe” Narciso faz alusão à fábula de Narciso ao olhar para o rio sujo. E/ou com os flashbacks. E/ou com o choro catártico overeacted. E/ou proteger “putas” que apanham. Fazer o bem sem olhar a quem. Sim, caro leitor, é constrangedor.
“Pureza” pode ser uma drama de situações, que facilitados pelo acaso, caminha em direções inesperadas de um novo começo. De estímulo moral à ética do comportamento correto (vulnerável e submissa). De fazer parte da intimidade do lugar (adentrar ao submundo) para encontrar pistas e agir com “Jesus no coração” (e sente que ali é exatamente a mesma vida que vivia antes – só que diferente e agora com benefícios). Há uma falta de apuro. Tanto estético, fotográfico e de seu roteiro, que escolhe o lado mais fácil a fim de resolver as reviravoltas de suas personagens, intrinsecamente de seu filho, Abel, que aqui não justifica a escolha do nome religioso. Concluindo, o filme é uma investida teatral de adultos que impulsivos mais parecem crianças. É uma parábola de que o amor sempre vence. Um divino amor contra os desmandos de um Estado opressor. Assim, todo e qualquer crítico possui uma responsabilidade imensa. O de não repassar condescendências quando uma obra cinematográfica representa falta de qualidade.