Pais que padecem no paraíso
Por Fabricio Duque
Após seu filme de estreia, “A Amante”, exibido no Festival de Berlim 2016, o diretor tunisiano Mohamed Ben Attia exibe no Festival de Cannes deste ano, na Quinzena dos Realizadores, “Meu Querido Filho” já consolidando uma de suas características próprias: imprimir um sentimentalismo mais intimista. Aqui, o filme apresenta-se como uma crônica estudo de caso sobre as consequências naturais de uma família, especialmente dos pais que sempre enxergam seus filhos como crianças vulneráveis. A parábola ensina que estes seres são criados para o mundo em um individualista livre arbítrio que se constrói por afinidades e aproximações.
“Meu Querido Filho” é uma fábula moderna de um pai que embarca em uma desconhecida aventura em busca de resgatar seu primogênito, sua única cria, dos perigos iminentes de um mundo hostil e cruel. Mas a mensagem ensina que cada um é cada um. E que cada vida é propriedade única e exclusivamente de quem a vivencia. O filme intercala sensações, e, ainda que estimule os excessos do amor incondicional de cuidados, consegue traduzir sua premissa e desenvolver organicamente sua trana.
Nós espectadores tentamos entender as “perdidas” razões do filho, que “escolhe” o caminho mais tortuoso. Como explicar um adolescente que recebe uma educação tradicional com todos os benefícios optar por uma existência mais radical? Qual o propósito de uma vida? Aos pais, ter o filho sempre presente, nas abas da saia da mãe e ou pela aceitação cúmplice e oportunista dos “presentes” do pai. Quando nosso protagonista subverte estas regras, seus “mantenedores”, e o público inclusive, questiona decisões e escolhas. “Meu Querido Filho”, que no título original é apenas “Weldi” (“Filho”), faz com que somos imersos no cotidiano deste indivíduo em construção, assim assistimos suas banalidades e micro-ações rotineiras.
A cobrança dos pais que o “preparam” ao futuro (entendido por uma boa faculdade e um bom emprego fixo e estável). O espectador infere um outro filme: “Rasga Coração”, de Jorge Furtado, que aborda tema semelhante e pertinente, mas com finais diferentes. O filho não se revolta. Toma as decisões quase em apatia alienante. Sim, é o mais puro dos egotistas, dirão muitos. Ou o mais respeitoso com as próprias convicções, ouvirão da boca de outros mais aventureiros. Embarcar na luz do fim do túnel, a saída metafórica de “A Caverna”, de Platão, é para poucos mais corajosos. Abandonar as facilidades e permanecer na dúvida, uma arte que necessita de muito desprendimento. E quando uma tragédia abate-se na família, o destino precisa aceitar as consequências do caminho escolhido, como na música “O Velho e Moço”, do grupo Los Hermanos, “aceitar a condição”.
Riadh (Mohamed Dhrif) está prestes a se aposentar como motorista no porto de Túnis. Com Nazli (Mouna Mejri), ele forma um casal unido em torno de seu único filho, Sami (Zakaria Ben Ayyed). As repetidas enxaquecas dele preocupam seus pais e no momento em que Riadh acha que seu filho está melhor, ele desaparece. A camisa Havana Los Cubano pode indicar um caminho ao espectador.
“Meu Querido Filho” já começa nas ações cotidianas da família personagem, representando o momento do agora com o filho “doente” vomitando. Logo ficamos que é enxaqueca (que na visão do pai seu rebento é “dotado de inteligência superior” e busca “macacos curandeiros no Youtube”) por causa do “estresse” do vestibular. A câmera próxima nos convida a dividir, com sinestesia, as angústias pela falta de Dinares de uma apartamento quase em ruínas, e as latentes preocupações do pai – mimando o filho no supermercado, tudo para fornecer educação e um futuro. A mãe, mais contida, acha que o psiquiatra o “dopará com remédios”. A amiga, mais liberal, diz que “passara com uma boa transa”. “Mas ele só tem dezenove anos”, rebate.
A câmera acompanha dentro do carro, lembrando a estrutura dos diretores Abdellatif Kechiche com Jafar Panahi com Nuri Bilge Ceylan. Há um romantismo bruto. Defensivo. Uma cobrança acirrada. De um pai prestes a se aposentar que patrulha seu filho, um pré-adulto tímido, submisso, deslocado, apático e deprimido. Na delegacia, as perguntas sobre reza quebram o ritmo. E com os protestos na rua, o filme assume um ar mais desengonçado, mais perdido. O acontecimento gera reações psicossomáticas, fazendo que a família se desestruture com o caos criado para se reerguer. Acordar das alienações adormecidas e acomodadas.
“Meu Querido Filho” é também uma odisseia de um pai que se embrenha no desconhecido para resgatar seu único filho. Da Tunísia a Síria, passando pela Turquia. Nós sentimos suas frustrações, desesperos, dificuldades e vulnerabilidades do caminho. E estamos com ele, juntos na jornada apresentada pelo acaso. “Dezenove anos não é jovem”, alguém o rebate, e complementa que “filhos abandonam os pais”. O “sonho” o recoloca na direção, mas assim o filme soa também mais ingênuo e óbvio. Entre estágios realistas e esperançosos, a vida continua, e a novela dramática desta vida. Uma última faísca de otimismo se esvai, destrói completamente a base, implodindo o já concretizado, e se recomeça. Libertando o passado e se aprisionando no vazio do presente.