Proibido Nascer no Paraíso
Uma dialética comum
Por Vitor Velloso
Globoplay
“Proibido Nascer no Paraíso” de Joana Nin toca em um ponto basilar da História brasileira, nossa dependência com o capital estrangeiro e a constante investida contra o próprio povo, a fim de beneficiar a burguesia que já detém o poder. A narrativa do Estado é simples, argumentam que não há estrutura hospitalar para realizar um parto na ilha de Fernando de Noronha, contudo, a falta de investimento é fruto de uma barreira contra os direitos dos nascidos ali, a terra. Ou seja, a máquina neoliberal é capaz de comprar terras para ampliar resorts e pousadas, enquanto a mulher nativa é obrigada a retirar-se para parir.
A lógica perversa do capital encontra-se amparada pelo Estado e as instituições se encontram em absoluto conluio com a repressão às mulheres grávidas que estão próximas do parto. O longa acompanha a história de três gestantes que lutam por seus direitos e traça essa questão a partir de um olhar geracional, onde o espectador fica ciente que nascer em Noronha é um milagre. O barato criminoso é uma síntese da política brasileira, que ressalta a dialética entre aquilo que possuímos de mais valioso para a cultura, nosso povo, e as agressões que o capitalismo e seus impulsos à propriedade privada. “Proibido Nascer no Paraíso” já possui um nome expositivo para o caso. Aqui, mais uma vez, a mulher é alvo de uma estrutura decadente e nociva que busca excluir sua liberdade, e a da criança, para dar lucro e terra aos detentores do poder. O mecanismo é tão exposto que um proprietário abre o jogo e escancara o jogo que a lei promove, acusando a mulher de ato contra a vida da criança, por assumir o risco de parir na ilha, não importa se a mesma trouxer médicos e equipamentos.
O documentário se utiliza de alguns artifícios pragmáticos para construir sua estrutura, além de acompanhar as mulheres em suas tentativas contra a repressão do Estado, junta alguns depoimentos de moradores que foram privados do direito à terra. Poucas coisas são elaboradas fora da própria imagem, essa resolução prática da obra reforça o tom didático e crítico diante de uma realidade que segue vitimando os nativos. Essa aproximação com o objeto central do filme, posiciona politicamente o espectador para uma cadência que não necessita de um excesso de material de arquivo para acontecer. Dessa forma consegue amarrar bem as pontas, mas perde no quão incisivo as críticas podem ser. O diagnóstico geral da situação soa inacabado, como uma denúncia primária que pouco alcança a gênese do problema. A ideia totalizante parece deslocada e há uma perda de matéria considerável nesse processo. Porém, o desfalque não faz com que o longa sucumba diante dos últimos lançamentos do gênero no Brasil, pelo contrário, a temática é bastante inédita na cinematografia nacional e ganha relevância no cenário da caquistocracia que ocupa o Palácio.
Considerando que a presença de “Proibido Nascer no Paraíso” levanta uma série de discussões relevantes no âmbito cinematográfico, político, social, econômico etc, é inegável reconhecer que o filme de Joana Nin deve figurar como um compromisso do brasileiro, não apenas porque toca em um assunto que não vemos ser discutido com frequência na grande mídia, mas por ser consciente na abordagem que propõe. Apesar de não ter uma solidez que o firme como um documentário que deve figurar nas principais memórias do ano, sem dúvida é um dos mais interessantes e que resgata essa ideia da descoberta junto ao espectador, que é apresentado aos fatos diretamente pela objetiva, sem grandes intervenções no extracampo.
Espero que o filme possa ser descoberto por um grande número de pessoas, para que esse debate não esteja preso apenas ao campo cinematográfico, um nicho tacanho e restrito para uma amplitude que apenas restringe. A distribuição deveria ser ainda mais ampla, mas infelizmente o próprio mecanismo que restringe as pessoas de Fernando de Noronha, impede a circulação da obra com facilidade. Uma questão geracional que impede o cinema de falar com clareza sobre sua luz.