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Placar: A Revista Militante

A questão do recorte

Por Vitor Velloso

Placar: A Revista Militante

Crescido numa família apaixonada por futebol e filho de um ex-árbitro, minha vida sempre foi permeada pela experiência dos estádios e pela sessão de descarrego coletivo de um Maracanã lotado. O espaço do estádio sempre transmitiu a sensação de um ambiente onde parte das normatividades sociais ficava temporariamente suspensa. Além disso, as diferentes classes sociais se uniam por uma mesma causa: torcer pelo seu time de coração, ofender os rivais e unir-se à catarse única de comemorar um gol. Hoje, o futebol está diferente. Desde o fim da geral, o aumento dos preços dos ingressos e os clubes aderindo drasticamente à elitização, o esporte que já foi palco de amplas discussões políticas e sociais tem sido cada vez mais plastificado, transformado em produto e tornado mero instrumento comercial.

Parte desse contexto — ou da construção desse cenário —, incluindo um possível paralelo com as situações das bets (e os “possíveis” escândalos) no futebol nacional contemporâneo, está apresentado no documentário de Ricardo Corrêa e Sérgio Xavier Filho, intitulado “Placar: A Revista Militante”. Sem dúvida, para o fã do esporte, a revista Placar é de suma importância para a construção de um debate público sobre o futebol, seja através da perspectiva esportiva, política ou social — intenção geral do filme da dupla, que procura traçar a história da publicação e sua relevância no contexto, incluindo sua reformulação.

Contudo, da mesma forma que o projeto encontra espaço para realizar sua exposição e homenagem, o longa tem alguma dificuldade em explicitar como parte de seu impacto estava direcionado ao futebol paulista, em diferentes frentes. Ainda que ofereça um espaço para demonstrar como o recorte histórico fortalece as narrativas de um eixo particular — especialmente nos momentos em que Zico reforça seu trabalho em aproximar a função profissional do jogador de futebol com a de outros vínculos trabalhistas —, o projeto ainda encerra boa parte de seus olhares em São Paulo. Aqui, o argumento do trabalho editorial se limita, pois os diretores poderiam ter ampliado seu escopo para outras regiões, permitindo discursos mais amplos e contextualizados sobre as temáticas abordadas.

Porém, o objeto do trabalho é tão centralizado que os personagens exteriores são inseridos quase que apenas para complementar o argumento da revista, como nos eixos de Zico e Afonsinho.

Enquanto conteúdo histórico e pelas informações dos contextos apresentados, “Placar: A Revista Militante” é eficiente em oferecer aos espectadores uma série de dados que não eram de amplo conhecimento, além de promover reflexões sobre a forte ligação entre a sociedade brasileira e esse esporte nacional. Contudo, esbarra frequentemente em um formato pouco criativo, muitas vezes burocrático e expositivo, que precisa esclarecer cada ponto com narrações, personalidades e introduções que pouco acrescentam ao filme — apenas traduzem, para o público, o que já estava claro. Ainda assim, dentro desses recursos e dispositivos, há um esforço em trabalhar com a imagem de arquivo como um palco histórico, oferecendo registros — incluindo da revista em si — que nos permitem compreender as formas de publicação, as imagens desse contexto geral e até algumas expressões utilizadas pelos entrevistados.

Aqui, há outro ponto de força que, por vezes, beira a fragilidade: as entrevistas estão majoritariamente ligadas a ex-funcionários da Placar, independentemente do contexto, sem apresentar ao espectador demais perspectivas possíveis sobre suas publicações. Ou seja, o documentário torna-se quase institucional, mais do que apenas uma homenagem ou exposição histórica. Não por acaso, o núcleo de entrevistados é particularmente reduzido, encerrando ainda mais a possibilidade de enxergarmos além do umbigo editorial ou da redação.

Assim, com o avançar da projeção, grande parte da multiplicidade das narrativas contadas se reduz à perspectiva desses funcionários — especialmente à figura de Juca Kfouri, como era de se esperar —, que, apesar de bom orador, demonstra enviesamento claro ao longo dos depoimentos, até mesmo no ato de assumir erros.

“Placar: A Revista Militante” é um documentário interessante sobre uma das publicações esportivas (há um debate sobre isso) mais relevantes do país — talvez do mundo. O problema é que o prisma dessas narrativas é tão reduzido a um núcleo específico de pessoas, todas diretamente ligadas à Placar, que boa parte de suas temáticas passa por um forte filtro enviesado, com detalhes igualmente comprometidos, pois suas fontes estão a serviço do filme, e não apenas expondo o cenário, o contexto e/ou suas opiniões.

3 Nota do Crítico 5 1

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