Perfil de uma mulher
A solidez e o espaço
Por Vitor Velloso
“Perfil de uma mulher” de Kôji Fukada é uma obra que chega ao mercado brasileiro a partir do procurado cineasta japonês tão aclamado pela cinefilia nacional. Em verdade, o longa compete diretamente na categoria dos mais lentos filmes do ano e que gerará algumas frustrações para os fãs do diretor. A construção da narrativa é lenta e desinteressante em grande medida, a complexidade da trama se torna uma muleta para que a articulação consciente da linguagem de Fukada, seja substituída em artifícios de pragmatismo pouco honestos.
Existe aqui uma tentativa de tornar essa obra uma espécie de registro ficcional quase imediato, mas o barato descamba para uma espécie de agrado da burguesia cinematográfica para si. Suas representações estão aliadas às recorrências da tela internacional e como isso se traduz na falibilidade da linguagem em tornar-se acessível diante da própria estrutura. Em resumo, o filme se esforça para trabalhar a “complexidade” da trama, tentando contornar seus problemas de ritmo com uma plasticidade monótona.
Contudo, “Perfil de uma mulher” possui seus méritos. Fukada é habilidoso em conseguir a tensão a partir de uma questão espacial tão bem definida e decupada. Esse rigor que o cineasta permuta com uma “organicidade” dessa unidade formal, faz com que a obra possua seu estranhamento através de noções de um tempo e espaço que se definem na objetiva como um corpo estranho de uma história estranha. É onde o longa consegue louros palpáveis, pois a mise-en-scène é cirúrgica em formular um protótipo pouco usual de uma iconoclastia do espaço. Por aí, o longa consegue um bom destaque nos festivais e alcança algumas participações relevantes. Porém, isso tudo possui o preço do alinhamento com parte da indústria artística internacional, que faz uma espécie de concessão a partir de interesses de uma cinefilia local.
O nome do diretor japonês possui um peso distinto e compreensível, mas algumas transas com essas formas de representação acabam transformando o negócio todo em algo pouco “inovador”. Suas investidas na linguagem se colocam diante de uma dissolução nas formas expositivas de representações corriqueiras. Acaba se distanciando de paradigmas pré-estabelecidos, mas a verve fica na paquera do independente artístico com pouco vulcanismo, inclusive formal. É uma espécie de platô das produções exibidas internacionalmente, que encontrará refúgio nos Estações Net e Espaço Itaú da vida. E por mais que a obra possua questões formais interessantíssimas, ela se torna uma síntese desse ponto de estagnação da teoria cinematográfica que precisa curvar-se constantemente aos já conhecidos ícones cinematográficos afim de encontrar “novos respiros”.
Aí a retroalimentação nos projetos encontra espaço perfeito para proliferar e vermos todo santo ano, a mesma coisa, nos mesmos festivais. E “Perfil de uma mulher” até sai mais ileso dessa mimética burguesa, por conseguir trabalhar a questão espacial para transformar o drama em um suspense funcional, mas a lentidão torna tudo desinteressante e facilmente “abandonável”. É um ecrã de retratos distintos de paisagens rigorosamente separadas por ordem, que se fragilizam nesse ritmo que se dilata conforme a trama se multifaceta e ganha contornos a partir da suposta complexidade. Os mistérios que norteiam algumas decisões da montagem servem como pontos de fuga para uma transgressão dessa unidade, não há necessidades de viradas estonteantes e dribles fantásticos na linearidade do barato todo, mas a linguagem conduz diretamente para uma fragmentação dessa tela que não consegue escapar dos limites impostos por si.
“Perfil de uma mulher”, o novo filme de Fukada poderá dividir opiniões entre os fãs do cineasta, mas sem dúvida entrega material para discussões múltiplas e consegue trabalhar a noção espacial de uma maneira diferente do que o mercado vem nos proporcionando. O aviso deve ficar para os que estão indo às salas de cinema atrás de um entretenimento ou drama convincente, aqui o barato é dado em passos lentos e pode vir a provocar alguns bocejos na poltrona. Está longe de ser uma obra memorável, tampouco um dos destaques da carreira do cineasta, porém seus méritos formais elevam o filme para uma experiência que concebe a tensão a partir da própria forma.