Perfeitos Desconhecidos
Lugar de conforto
Por Vitor Velloso
Baseado no filme italiano de 2016, dirigido por Paolo Genovese, o longa de Júlia Pacheco Jordão, “Perfeitos Desconhecidos”, é um produto bastante previsível em suas críticas, desdobramentos e comparações geracionais, sem tensionar nenhuma das questões desenvolvidas no roteiro a partir de um olhar mais analítico ou elaborado. O filme permanece em uma zona de conforto bastante nítida e caminha para alguns momentos constrangedores, que comprometem a experiência.
A premissa poderia render alguns lampejos interessantes de debate. Afinal, o dispositivo celular se tornou uma espécie de caixa-preta pessoal, onde segredos são armazenados e guardados a sete chaves de todas as pessoas que não possuem acesso a ele, com exceção das empresas. Porém, apesar de o projeto compreender que há segredos maiores, menores, bobos e graves, não consegue se dissociar de uma estética frágil e desgastada de filme tolo e ingênuo, que sempre procura na traição seu ápice de tensão e conflito. A lógica de funcionamento de “Perfeitos Desconhecidos” é tão clichê que cria pequenas tipificações para cada personagem, que passam a operar como estereótipos inequívocos. Há o esquerdomacho que cita sua liberdade sexual e dietas mirabolantes sem ninguém perguntar, o pai de família aparentemente perfeito que carrega uma série de segredos escabrosos, e a mulher que sofre com a baixa autoestima e recorre a formas exteriores e artificiais para tentar superá-la. O problema do roteiro é assumir essa estrutura simples e artificializada sem criar qualquer tipo de crítica no percurso, seja em relação às performances sociais assumidas por cada personagem, seja em relação ao próprio dispositivo que, ao armazenar dados confidenciais ou não, gera desconforto quando esses conteúdos são revelados.
Com essa articulação, “Perfeitos Desconhecidos” é tão programático que chega a apelar para uma cena de dança em uma celebração que, como de costume, precede algum evento caótico e disruptivo da narrativa. O problema é que o espectador já viu esse filme inúmeras vezes, de modo que nenhum elemento soa como novidade. Pelo contrário, é possível assistir à projeção com um bingo em mãos e marcar cada “nova” revelação, tornando a experiência bastante desagradável. Não por acaso, ao se aproximar do fim, “Perfeitos Desconhecidos” recorre a um evento mais catastrófico, a fim de provocar essa base tão blasé. A ideia não é ruim, pois envolve uma situação patética o suficiente para render uma boa cena, mas a superficialidade das relações e dos personagens impede que atores e atrizes extraiam veracidade dessa sequência. O resultado é um espetáculo de constrangimentos, que vai desde o descarregar de raiva em objetos específicos até a ameaça física a um dos personagens. Tudo é tão desengonçado que até o espectador mais tolerante pode atingir o limite e desejar abandonar a sala antes dos créditos finais.
Sem dúvida, trata-se de uma obra com um público relativamente fiel, que pode encontrar algum divertimento aqui. No entanto, os cacoetes industriais e a preguiça em pensar alternativas para fugir dos clichês mais banais impedem qualquer possibilidade de renovação de público, talvez até entre fãs do filme original, que não assisti e, portanto, não posso comparar. Apesar do elenco relativamente estrelado e inegavelmente talentoso, formado por Sheron Menezes, Danton Mello, Débora Lamm, Fabrício Boliveira, Giselle Itié, Madu Almeida e Luigi Montez, há grande dificuldade em estabelecer uma química funcional entre os personagens e sustentar atuações convincentes. Isso ocorre porque as figuras são unilaterais e limitadas a uma única faceta pré-estabelecida, existindo apenas como engrenagens narrativas a serviço do roteiro.
Em um contexto marcado por debates cada vez mais complexos sobre privacidade, exposição e vigilância digital, “Perfeitos Desconhecidos” parece optar pelo caminho mais fácil ao reduzir essas discussões a conflitos interpessoais simplificados. O filme não se interessa em aprofundar as implicações éticas e políticas da tecnologia em nossas relações, preferindo explorar o choque imediato das revelações e seus efeitos melodramáticos. Essa escolha empobrece a experiência e reforça a sensação de que a narrativa se contenta em reproduzir fórmulas já gastas, desperdiçando a oportunidade de dialogar de maneira mais incisiva com o presente e com os dilemas contemporâneos que atravessam a vida privada.
Por fim, ao optar por conflitos rasos e resoluções ruidosas, a narrativa abdica de qualquer complexidade e reforça a sensação de que o projeto se limita a repetir fórmulas reconhecíveis, desperdiçando a chance de atualizar seu discurso para além do mero entretenimento episódico. Além disso, há o lugar de conforto, bastante conhecido por esse tipo de projeto, que é localizar a maior parte desses personagens em uma classe média alta, bastante abastada, que goza de todos os privilégios materiais possíveis, facilitando todas as manobras do roteiro.


