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Para Onde Voam as Feiticeiras

As lutas e suas frentes

Por Vitor Velloso

Durante o Olhar de Cinema 2020

Para Onde Voam as Feiticeiras

Filme de abertura do Olhar de Cinema de Curitiba de 2020, “Para Onde Voam as Feiticeiras” de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral é uma obra que possui o potencial de sintetizar a realidade política brasileira em suas representações. Até que se prove o contrário, o documentário faz isso. Mas aqui há questões particulares, diversas, que podem ser deslocadas para um âmbito maior, mais amplo. 

O longa é direto em sua verve, mira diretamente seu protagonismo, define de forma versátil quem irá compor o quadro, sempre buscando pontuar pautas distintas ou conjuntas, com visões divergentes ou aditivas. Nesse campo, é inegável que há uma força que emana do projeto, uma liberdade de agir e discutir sobre os oprimidos, é como a materialização de uma das cenas de “Era o Hotel Cambridge”, onde a performance vira esse embate político imediato. O documentário tenta consumar esse espírito de guerrilha de resistência perante à sociedade moralista e preconceituosa, cita “Primavera Fascista” e urge em estruturar seu discurso em torno de uma relação direta com a sociedade, criando diretrizes que falam diretamente do atual ocupante da cadeira no planalto. 

Mas existem aqui dois poréns. O primeiro é o espírito de “resistência” que o filme urge em elevar, algo que já discuti brevemente na crítica de “Democracia em Vertigem”, onde a própria palavra traz consigo uma conotação derrotista que deve ser levada em consideração, ainda que o sentido dela não tenha se perdido por completo e o tom de síntese possa vir a ser debatido. E está claro para o leitor que a fala utilizada aqui diz respeito à apropriação da “ala progressista”, que é incorporada aqui de maneira relacionada à dependência na luta política. E o segundo ponto é que essa articulação política que é feita, tanto no documentário quanto nessa diretriz que o filme incorpora enquanto performance, gera paralelismos dentro do embate em si, pois atravessa o problema bruto, não vai à necessidade de possuir um olhar crítica sobre a realidade que nos cerca fora o debate imediato. Ou seja, não reconhece que a base da problemática, surge em um modelo político e econômico, o capitalismo. 

É claro que existem vertentes diferentes das questões apresentadas em “Para Onde Voam as Feiticeiras”, mas em suma os tópicos são sintetizados nessa “sociedade orgânica” que mira o “progresso”, em torno de dogmatismos religiosos, excludentes e assassinos. Porém, até a verve violenta presente nas instituições religiosas, que ocupam uma trecho do longa, baseiam-se no racionalismo tacanho que formaliza o capitalismo, enquanto processo imperialista e colonizador. E aqui é possível criar uma análise crítica à assimilação que parte do movimento faz dessa indústria imperialista. Podemos falar desse brio de uma centralização no debate que evoca Judith Butler, por exemplo. Mas como dito anteriormente, esse não é um problema do filme em si. E ainda que seja, possui uma raiz exterior à ele. É um equívoco histórico, dialético e materialista. Longe de ser uma particularidade contemporânea, os relatos se somam ainda na década de 50, de como a “esquerda” brasileira inibia o conhecimento totalizante e crítico, para conscientizar setores da sociedade e criar conciliação das classes. Um erro. 

Agora, se esse debate foge o controle do documentário, o mesmo não pode ser dito da montagem, que detém o controle dessa unidade enquanto organização das performances e dos relatos e registros. O ritmo se perde e a discussão se capilariza no imagético que condensa essa realidade em seus intérpretes. Apesar de interessante, o movimento de articulação acaba não funcionando tão bem na prática, pois o manifesto que se torna, não dá conta de tornar a discussão a síntese dialética que é proposta como a base de suas discussões. Ou seja, o longa detém essa comunidade em sua encenação, compreendendo a sua existência na sociedade brasileira, mas acaba falhando em transformar essa unidade em debate de resolução. E é exatamente por isso que Rosa Luxemburgo defende que uma verdadeira mudança, Revolução, só possa ser feita na organização de um Partido, pois assim, a centralização de suas pautas ocorreria de maneira uníssona em força política. O ponto é, se acreditarmos que essas mudanças podem vir através da produção artística e de uma secção da realidade totalizante, estaríamos cunhando aqui essa autoria enquanto particularidade de processo, o que no fim nos levaria à acreditar que a Cultura deveria ser colocada à frente dessas mudanças. E essa inversão de tarefas é característica da burguesia intelectual. 

“Para Onde Voam as Feiticeiras” é honesto, importante e consciente de seu papel, mas acaba referindo-se excessivamente à essa homogeneização cultural e psicológica alertada por Pasolini em 50 e cede drasticamente à um processo de formalização da burguesia enquanto forma cinematográfica. Mas sem dúvida, se torna um manifesto-marco, pois assim como “Negrum3”, sintetiza parte da mobilização em torno de uma manifestação espontânea.

3 Nota do Crítico 5 1

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