Os Parças 2
Parlapatões do Barulho
Por Jorge Cruz
O menosprezo a qualquer obra artística, se não a serviço de alguma lógica, não merece o mínimo de acolhimento. “Os Parças 2, com tudo o que lhe envolve, é somente um filme de comédia que, por sinal, entrega o que lhe é proposto de forma bem mais digna que outros exemplares do gênero. Dito isso, é com lamento que o escárnio faça parte de algumas análises da produção por parte da crítica.
Para reaproveitar a base de história do “Os Parças“, o roteiro nos insere em uma realidade onde o grupo está se lambuzando na riqueza. Quase como sampleando “A Família Buscapé“, o humor inicial se resume a como Toin (Tom Cavalcante), Ray Van (Whindersson Nunes) e Pilôra (Tirullipa) não se afetam com os olhares tortos de quem não concorda com a ostentação de sua riqueza. Por se tratar de dinheiro proveniente de um golpe (quase nenhum demérito, já que a moral capitalista não se afeta com esse fato), em determinado momento eles se veem morando em um castelo de areia.
Essa virada da trama se dá quando Romeu (Bruno de Luca) aparece fugindo da Polícia e informando que sua esposa Cíntia (Paloma Bernardi) saiu do país em lua-de-mel sozinha. A culpa disso é a delação premiada que seu sogro fez de China, o chefe da máfia da rua 25 de Março. Se há uma crítica a ser feita de forma mais acentuada é que “Os Parças 2” se vale de um expediente de piada envolvendo cara de nojo para comidas e coisas nojentas que deve funcionar apenas para o nicho mais jovem. Uma linguagem corporal constrangedora, mas que sempre fez sucesso em quadros do “Pânico na TV” e segue sendo replicado pelos youtubers mais famosos. Aquela ânsia de vômito forçada, uma gracinha que se repete em algumas oportunidades ao longo do filme.
A sensação inicial, de esquetes desconexas, não se sustenta. O primeiro ato ambientado em um hotel utiliza diversos espaços diferentes para criar situações de risos das mais diversas. Quando a solução encontrada pelo grupo é se abrigar em uma colônia de férias decadente, fica o receio de ser apenas mais um estágio do roteiro, como se a trama fosse algo indefinível. A mesma confusão que “Muita Calma Nessa Hora” (2010) faz, sob a desculpa de inserir o maior número de comediantes e piadas possível e “Internet: O Filme” (2017) eleva à última potência. Nessa ótica, o texto dessa longa-metragem é mais limpo, mais focado. Isso não quer dizer que transborde qualidade, apenas que seu rumo cause menos incômodo do que boa parte de produções do gênero. Não que essas inserções carregadas de aleatoriedades sem sentido não se façam presente, como a cantora Simone, da dupla Simone e Simaria, que surge para cantar uma música como quebra de cena totalmente descartável.
A temática de adolescentes em férias tem algo de “Sonho de Verão“, filme que reunia As Paquitas, a banda Yahoo e Sergio Mallandro em uma espécie de spin off do universo cinematográfico de Xuxa Meneghel. A produção nacional sempre se valeu da transposição de sucessos da televisão para angariar espectadores que precisam de estímulos, dos mais esquisitos, para comprar um ingresso de cinema. Há vezes em que o filão alia popularidade e virtude, como algumas obras de Os Trapalhões. Há outras, entretanto, que parecem abusar da paciência do público, como o trash “Zoando na TV” (1999). Era óbvio que a internet rapidamente se revelasse um terreno a ser explorado. Sua cria mais famosa, contudo, não recebeu ainda material que permitisse sequer um protagonismo, devendo Whindersson Nunes optar por projetos mais adequados a sua proposta.
As comparações com o grupo liderado por Renato Aragão acabam acontecendo. Os Parças como um trupe ainda parece pouco sintonizada, à exceção de Tirullipa e do próprio Whindersson. A dupla já desenvolve trabalhos para outras mídias, facilitando a conexão em cena. O que dificulta a consolidação do quarteto talvez seja a dificuldade de adaptação com a linguagem cinematográfica. Whindersson é excelente em seu ofício de mesclar a esquete rápida com o stand up comedy do seu canal no You Tube. Já Tom Cavalcante não consegue criar um personagem que sirva à história, se valendo de trejeitos de criações antigas ou de cansadas imitações. Além disso, o choque geracional parece pesar no veterano comediante, que mesmo com décadas de notoriedade não se impõe como líder de um elenco jovem. Tirullipa parece mais à vontade, pronto para encarar um longa-metragem que exige essa certa construção, enquanto Bruno de Luca parece reaprender o ofício da interpretação depois de anos sendo ele mesmo em programas de TV.
Com uma estratégia de lançamento interessante, pulverizando pré-estreias pelo Brasil (a ponto de ninguém saber ao certo a data exata de lançamento), “Os Parças 2” como produto parece ter entendido seu nicho. Dando oportunidades de conexões com o elenco, talvez prefira um alcance limitado em sua passagem pelo cinema, mas com a certeza de que a plateia sairá mais satisfeita. Mesmo sem ter essa pretensão, seu roteiro flerta com a crítica à xenofobia e ao bullying, devendo ser registrada o respeito às representações, reunindo três comediantes que exportaram para o eixo Sul-Sudeste seus talentos, cada qual a sua maneira. Se não é o suficiente para que as boas intenções se convertam em uma grande obra cinematográfica, ainda assim há uma louvável tentativa de entreter sem ofender.