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Os Bravos Nunca se Calam

Investigação atrapalhada

Por Pedro Sales

Os Bravos Nunca se Calam

Em Santa Cecília, cidade fictícia no Rio Grande do Sul, o jornalista investigativo Joaquim Correia (José Chachá) descobre um suposto esquema de corrupção entre o empreiteiro da cidade e o prefeito. O objetivo dos dois é construir um cassino no lugar da falida fábrica. Esses planos são denunciados no livro de Correia, “Os Bravos Nunca se Calam” – que também é o título do filme. Denunciar os grandes figurões da cidade não é fácil e tampouco seguro. O jornalista é morto em um incêndio acidental. Seus filhos – Caio (Eduardo Mendonça), que mora com os pais, e Manoela (Duda Meneghetti), universitária de jornalismo – suspeitam da real causa mortis e se unem para averiguar as reais circunstâncias da morte do pai.

Na introdução, “Os Bravos Nunca se Calam” demora a se encontrar. Ao transitar pelo drama e pela comédia, a obra parece um pouco sem direcionamento de tom, principalmente quando os atores trabalham em chaves completamente diferentes. Caio em uma veia cômica, mesmo diante do funeral do pai, e Manoela esboçando tristeza pela perda e distância que se criou entre pai e filha. A alternância, pelo menos nesse primeiro momento, não é natural. Pelo contrário, gera estranheza no público.

Quando a obra consegue se estabelecer como comédia, entretanto, o roteiro assinado por Tiago Rezende funciona melhor. O que acontece, na realidade, é uma mudança na personagem de Manoela, a qual abandona aos poucos a rigidez inicial que contrastava com seu irmão. Caio, por outro lado, é o mesmo do início ao fim. Um homem preguiçoso, que mora com os pais e que só joga no computador. Já a irmã segue os passos do pai no jornalismo, é o orgulho da família. A direção de Márcio Schoenardie propõe uma subversão do suspense. Mesmo seguindo certas convenções de roteiro e clichês basilares para obras de investigação, o uso da comédia diferencia “Os Bravos Nunca se Calam” dos demais filmes do gênero. Caio e Manoela reconstroem os passos do pai na investigação sobre os poderosos. Ele, quase sempre de forma ridícula, como analisando a bituca do cigarro encontrada no incêndio com a de um dos convidados do enterro. Ela, com um faro jornalístico, é o contraponto natural de seu irmão, a parcela de sensatez da dupla.

Em filmes policiais com dois investigadores, é natural o estabelecimento contrastante entre eles por meio do “policial bom e o policial mau” (good cop, bad cop). Na obra de Schoenardie seria algo como o policial idiota e o policial racional. Conforme a trama se desenvolve, essa ideia torna-se mais clara. Caio confronta as autoridades e suspeitos de modo desajeitado e risível, enquanto Manoela é mais contundente para alcançar as respostas desejadas. O ridículo não se restringe ao personagem citado. A abordagem das instituições públicas e burocráticas também reproduz esse padrão. O policial questionado é incompetente, o médico legista do IML aparece com o jaleco sujo e foge quando questionado. Qualquer figura de poder é retratada com um certo deboche. Além desses, a chefe de redação do jornal em que Correia trabalhava também serve de bucha de canhão nessa representação.

Explorar as incompetências de figuras de autoridade é condizente com o aspecto cômico e absurdo que “Os Bravos Nunca se Calam” possui. O único problema, contudo, é o exagero. A bem da verdade, a comédia é um gênero difícil de ser unânime, principalmente quando certas decisões criativas podem ser determinantes para dividir a recepção do público.

Em “Os Bravos Nunca se Calam”, o papel de Caio é o principal exemplo que tenta se equilibrar nessa corda bamba, entre o humor convencional e o exagerado. As reações afetadas do ator e o artificialismo do texto, por muitas vezes, tira o espectador da experiência. A risada deixa de ser pelo humor em si e se converte em um constrangimento pungente. Outros personagens também compartilham o ar caricato, como o estagiário e a fonte anônima de Correia. Esse aspecto acompanha o longa, até nos desdobramentos da investigação, quando Caio e Manoela começam a perceber que algumas peças não se encaixam no suposto assassinato do pai. O roteiro consegue ser bem amarrado e responder a todas as perguntas que eventualmente aparecem para o espectador.

Se o roteiro é pautado pelo humor irreverente e às vezes exagerado, os aspectos formais de mise-en-scène se distanciam desse tom. O uso de dolly e do efeito chicote é constante. As técnicas servem para integrar a ação da dupla, como complemento dos interrogatórios, por exemplo. Em outras cenas, o trabalho de câmera traz intimismo por meio da iluminação roxa e dos planos detalhes. “Os Bravos Nunca se Calam” é uma reconstrução do gênero. O tom cômico, distante da seriedade do suspense, é afável, apesar de algumas vezes pender ao absurdo e exagero. A inexperiência dos irmãos é primordial para o estabelecimento de uma investigação atrapalhada. O diferente temperamento dos dois é, também, fundamental para a construção do humor, mesmo que o público se identifique mais com Manoela, a mais racional dos dois.

2 Nota do Crítico 5 1

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