Oroslan
A cordialidade e suas histórias
Por Vitor Velloso
Durante o Olhar de Cinema 2020
“Oroslan” de Matjaz Ivanisin, é uma obra que se beneficia de seu ritmo lento. Não há propriamente uma narrativa à ser seguida como arco dramático, pois ainda que este esteja presente, a comicidade surge da encenação imediata do longa. Sempre à procura de uma história e sua capacidade transformadora através da oralidade, por abrir caminhos únicos na construção de um imaginário que está presente à parte da imagem. Não à toa, o passado vêm à tona em representações paulatinas de histórias que o filme vai colecionando. A partir da morte, há um processo longo que mira agregar de forma concisa, o espaço e o tempo através desse processo da oralidade. Algo que “Oroslan” faz de forma impecável. Pois não se utiliza da oralidade como uma forma de situar-se no campo do prosaico e da prosa alienante, recorre à forma como síntese primária desta relação da fala e dos acontecimentos em tela, sem tornar apoio intelectualóide para tal.
A recorrência literária aqui vêm da base do conto, além da própria relação desse recorte de uma sociedade à parte de um processo nacional, onde o processo de transcriação, enquanto relatos de transição, dessa imagem afetiva do 16mm e suas cores aconchegantes, se vê construído através dessa propensa fragilidade imagética. Que jamais encontra seu desmonte, já que a maturação do quadro, ultrapassa o estoico, recusa a exposição e repousa no tom ordinário de um local que é sintetizado por seu clima, pelo isolamento, pelo silêncio e por uma memória não tão distante de um integrante que partiu. Sem grandes cerimônias, o olhar fatalista diante da morte, é dado através do humor desengonçado de uma crônica dominical provinciana. É claro que a mesma abordagem que permite o funcionamento do filme, pode vir a distanciar parte do público que se aventura de forma ocasional, já que seu ritmo lento, provavelmente vai curar a insônia de alguns. Não que o longa seja entediante, mas como sua narrativa não é construída através do didatismo padronizado da indústria, a abordagem recorre aos métodos menos pragmáticos de concepção da imagem e dessa oralidade que se vê presente como forma totalizante do projeto. Se o cinema é para ver e para ouvir, aqui, a divisão se faz em paridade de equivalência.
Pois assistimos boa parte do projeto sem que diálogos estejam presentes, mas quando há uma inserção dos mesmos, existe uma necessidade extra imagética dentro de sua estrutura. O corriqueiro e banal, torna-se o fio condutor dessa construção através de uma literatura mundana, tacanha, sem perder o brilho das pequenezas. Não à toa, os sentimentos são múltiplos ao fim da exibição de “Oroslan”. É possível sentir um tédio arrebatador, assim como um sorriso tímido da curta experiência cômica, fatalista, do longa. A exibição em Locarno não permite grandes equívocos, o filme é um retrato particular de uma cinematografia regional, que não está atrás das pirotecnias de linguagem, mas de uma “formalização” dessa forma, como esse recurso estético, quiçá estilístico de uma conciso e arrebatador resgate na oralidade. Parte desse cinema se perdeu com a superexposição das imagens e a intensa necessidade de prazer pelo didatismo canhestro.
Mas no fim sabemos que obras como esta, ainda possuem seu espaço nos eixos de festivais de cinema, sendo parte de um nicho, mas estando consolidados enquanto uma “pragmatização” de enfrentamento estético e liberdade criativo em meio ao tom literário citado anteriormente. Como dito, é a crônica e a prosa em consonância desse ordinário.
Não é possível dizer com a negligência categórica de parte da Crítica, que trata-se de um recorte único do Cinema Contemporâneo, pois há atravessamentos na obra que são bastante específicos e não se desprendem de suas referências, tornando explícita a ambientação orgânica dessa sociedade onde a “dança da morte” são as histórias recontadas. Aqui, o protagonista não nasce no terceiro dia de falecimento, após fala profética em calvário. A cidade e quem a compõe sincretizam os pilares ímpares do filme, onde os paralelismos narrativos são inexistentes, já que a composição totalizante é dada através das pequenezas gerais e o particular é sintonizado nesse mosaico de vidas e histórias que se completam pela inércia. Às bases da História são compiladas em olhares e parâmetros diversos.