Orin: Música para os Orixás
Sem Guia
Por Jorge Cruz
Mostra Sesc de Cinema 2019
O trabalho de pesquisa de Henrique Duarte, responsável também pela direção e montagem de “Orin: Música para os Orixás” é magnífico. Com o intuito de dar voz às diversas formas de manifestações musicais dentro do candomblé, a nobreza representativa da obra acaba se tornando um empecilho na coerência e atratividade.
Contando de várias maneiras como a música originária nos terreiros de candomblé fundamentam preciosas manifestações culturais brasileiras, a primeira parte do documentário é irretocável. Equilibra desde entrevistas com os alabês, responsáveis por tocar os ogãs, até com etnonomusicólogos, tanto de dentro quanto de fora da comunidade. A montagem deixa espaço para algumas cantigas (que vem a ser o significado da palavra orin em yorubá), dando esperanças de que encontraríamos uma dinâmica que funcionasse bem melhor do que em “A Música do Tempo – Do Sonho do Império ao Império do Sonho”, que também encontrou dificuldades ao abordar a música medieval ibérica. Dentro da etnomusicologia, há foco específico em Iuri Passos, professor de atabaque no terreiro de Gantois em Salvador que se transforma no primeiro alabê a conquistar o título de mestre na área.
Porém, passada essa aula prática, em que o espectador recebe informações básicas sobre um grupo há séculos silenciados e tem contato com expressões artísticas e religiosas, o longa-metragem começa a sofrer uma crise de identidade. Seu limite é a aparição do cantor Gerônimo Santana, que tenta popularizar as cantigas que transitam gerações com tanto apreço. Nesse ponto, parece que traçar um panorama geral seria o argumento do filme, até por força do didatismo das manifestações dos depoentes. Essa ausência de dinamismo se mostra fatal para uma construção de narrativa mais atraente.
Na sequência, contudo, há interpelações díspares, que vão da filmagem da defesa da tese de Passos até o processo de fabricação de um atabaque. Nesse ponto a produção lembra um pouco “Guitarra Baiana – A Voz do Carnaval” (2014), que escolheu um norte para tratar de outras manifestações culturais brasileiras fundamentais. Só que “Orin: Música para os Orixás” se revela sem guia – pior, parece ter perdido no caminho. Na ânsia de atacar quantas frentes fosse possível, ele se torna excessivamente informativo e nem um pouco apreciativo. Nos deixa diante de um grupo ciente de suas tradições, mas entrega pouco sobre as particularidades que denotam uma riqueza artística e cultural inigualável.
Não há qualquer necessidade de escolha estética em um produto tão rico em seu objeto, por óbvio. Ou seja, cronologia ou divisões geográficas pouco importariam. Só que o encontro de uma linha mestra não pode ser desprezado, sob o risco de atirar a esmo depoimentos que não se conectam, como um diálogo em que cada pessoa fala o que lhe interessa, sem ouvir o outro. Trata-se do primeiro longa-metragem dirigido por Duarte, que abriu mão de elementos mais tradicionais, como a narração, para entregar um produto audiovisual mais fluido. Experiente jornalista, esse expediente, de maneira positiva, rompe com uma forma preguiçosamente simples de exposição, é verdade. Por outro lado esse rompimento demandaria escolhas que limitasse o extenso leque de histórias, sob o risco de se repetir falando pouco.
Montar um documentário tão trabalhoso quanto “Orin: Música para o Orixás” é um trabalho de desapego que parece que o cineasta não conseguiu materializar. Sem esquecer de reiterar a importância de se conceder voz aos representantes de religiões de matriz africana, o filme é de uma grandeza inquestionável em seu objeto – mas peca ao não atingir a mesma grandeza em seu objetivo. Tanto que merece participar de tantos festivais quanto possa ser programado, ainda mais na 3ª Mostra Sesc de Cinema, que fez uma curadoria com ênfase no regionalismo, para que todos os Brasis se encontrassem nas sessões do festival.
Até que no ato final o documentário avança em alguns debates, mas ao longo de sua trajetória ele não se permite mostrar, optando por quase todo o tempo apenas contar. Há uma indecisão de suas próprias pretensões, com trechos que lembram um making of de gravação de uma canção. Pontos tão fundamentais, como o preconceito de pessoas ligados à indústria fonográfica com a generalizada “música de macumba” e a vertente do rap que leva as batidas do candomblé para sua área são pinceladas brevemente nos últimos minutos. Em meio a várias boas histórias apresentadas de maneira superficial, fica ao espectador, em alguns casos, um toque de frustração. Principalmente quem o assiste com a mesma ambição de quem o realizou.
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