Oráculo
A retroalimentação
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2021
“Oráculo” de Melissa Dullius e Gustavo Jahn é um dos integrantes da Mostra Aurora, que chega como um representante clássico desse enquadramento da abertura do calendário dos festivais de cinema brasileiro. Torna-se repetitivo retomar o mesmo ponto em diversas críticas, contudo é inevitável que a Mostra Aurora que costuma apresentar uma características já rotulável, vêm se tornando um arquétipo do que se pretende com as recentes produções no Brasil. Não se trata de um recorte dos filmes contemporâneo, sim de um agrado à crítica de cinema, que detém a representação da opinião como eixo basilar entre a burguesia cinematográfica e a construção de uma demanda de produção para alçar prêmios em Tiradentes.
Em verdade, a Mostra Aurora é previsível em sua unidade, mas nas últimas edições parece ter assumido que se trata de uma grande janela de exibição do gosto particular de um grupo que mantém uma retroalimentação de debates em torno da autoria. O barato funciona de maneira quase formulaica, e isso não é opinião isolada.
“Oráculo” é um sintomático caso desse construção. É a síntese da linguagem que procura a experimentação na inocuidade da força imagética como gênese de uma forma que se projeta como o “poetificado” por sua relação com o tempo. Transa com os mais assíduos pormenores da moral conservadora, a partir de uma conjuntura da decadência estética burguesa, ou seja, vai de encontro aos ares estetas de autores já consagrados, porém partindo do sentimento saudosista que encontra pontos basilares no reacionarismo cinematográfico nacional. Entre Mekas, Julio Bressane e 1Kilo, vemos de cantorias de apartamento ao já “poetificado” canto de praia, onde figuras retorcidas tentam formular o espírito do tom poético da burguesia que tenta arranjar o estoicismo na saudade formal.
Se tutano da alma é a dialética corpo em objetiva de registro, “Oráculo” é a consagração dos objetos de fetiche da classe apossada de letramentos e objetivas espelhadas ao ego do clubismo de decadência. É a formalização do caça-níquel para a burguesia sentir o deleite da própria representação. Retroalimentação que extrapola o ecrã e alcança alguns anos de festival e Mostra que saturaram a Aurora em prol dos pastiches. Os supostos dispositivos e métodos são as recorrências das escolas antiacadêmicas que se formalizaram como meandros miméticos em consonância burocrática.
O problema aqui está nessa crença do rigor e método como força de uma poética que é compreendida a partir da linguagem. É uma pré-aprovação para ser exibido em alguns festivais, mas com alguns ajustes, a Mostra Aurora pode ser o lugar certo. A concepção de uma mitologia que é fruto dessa forma, só pode ser compreendida como gesto conservador ou ato de reprodução. Em qualquer hipótese o dispositivo discursivo torna-se liturgia dogmática do esteticismo formalista, um balaio mal resolvido entre a iconoclastia e ressureição dos estigmas católicos, em tempos distantes de si.
Não acredito em honestidade ao rotular o filme de “pretensioso”, aliás, porque pegamos na câmera, não? Contudo, as alianças formais não funcionam de forma integral aqui, existe um casamento frágil entre um idealismo com dispositivos e baratos paisagistas. A união levou ao projeto: “Mostra Aurora”, entre as transas de manutenção que andam formulando métodos corriqueiros que geram a base consensual de uma exibição cinematográfica. E aqui mora o perigo, parte da Mostra segue dizendo estar projetando as últimas do cinema brasileiro, enquanto formaliza uma porta giratória de consumo para a burguesia cinematográfica. A equação não bate. Se tomarmos de exemplo os últimos anos, a cinematografia nacional anda meio estagnada, produz para tentar levar o prêmio.
“Oráculo” possui seu público, cativo, uma Mostra marcada e alguns facilitadores para exibição na Aurora. Não surpreende em nada estar na seleção e formaliza a preocupação de muitos, essa constância na competição, sem ares novos que possam revigorar o amargo gosto que vêm deixando na boca. A culpa está longe de ser do filme, ele apenas reproduz.