O Último Jogo
Mais que um jogo
Por Vitor Velloso
“O futebol não é uma questão de vida ou de morte, é muito mais do que isso”. “O Último Jogo” de Roberto Studart é uma ode à rivalidade do futebol. Um ponto curioso das últimas produções, que comumente vão tratar as desavenças em campo a partir de uma ótica de reconciliação e tentativa de afeto entre as partes. Para quem gosta de futebol sabe que isso é praticamente impossível. Com exceções políticas, Palmeiras e Corinthians se uniram em uma manifestação. É difícil imaginar Flamengo e Vasco se abraçando, Fluminense e Flamengo, Inter e Grêmio, River e Boca, Paysandu e Remo, e por aí vai. A partir dessa questão, o filme busca criar um eixo cômico em torno de dois vilarejos que se odeiam profundamente e criam uma refrega de respeito em um jogo que vai muito além de 11 x 11. Se aproveitando da eterna rivalidade Brasil x Argentina, o longa investe em histórias paralelas para compor a narrativa, desde o craque que quer ser poeta ao homem misterioso e habilidoso com as bolas nos pés, mas que não possui qualidade em campo comprovada.
Devo abrir uma breve digressão para confessar que o médico é o personagem mais divertido de se acompanhar. Quando ele entra em cena, podemos esperar metáforas hipocondríacas e uma sequência de fala desnorteadora. Mas “O Último Jogo” está mais concentrado nos alívios cômicos e nas construções dramáticas para fomentar novas cenas humorísticas. Acaba não funcionando muito bem, não apenas porque o humor é desengonçado, mas a estrutura que prioriza o eixo do convencimento do homem misterioso e do jogador-poeta beberrão, acaba fazendo com que a obra perca um valioso tempo e o ritmo se arrasta em sequências de arrancar bocejos. E os personagens se dividem em uma montagem que não sabe exatamente para onde caminhar em meio aos excessos. As histórias paralelas tomam conta e os eixos se fragmentam em um esforço contínuo por contornar a questão da rivalidade entre os dois vilarejos, sem pavimentar uma narrativa que consiga fugir de tantos clichês.
Um dos elementos norteadores do projeto, um necessário retorno do “protagonista” aos gramados a fim de defender sua equipe no embate direto, se mantém suspenso durante boa parte da projeção. A falta de resolução no determinado tópico, fragiliza o processo até na cena mais catártica, o anunciado jogo final. O clímax é uma bagunça dramática e não consegue formalizar grandes emoções, mas pode arrancar algumas risadas com o médico que narra a partida e uma piada breve com “câmera lenta”.
A questão propriamente material do filme encontra pouco espaço, sendo um eixo reservado ao trato do impulso político e econômico dado pelo fechamento da filial de uma empresa, em um dos lados da fronteira. Um breve esforço nessa direção, teria construído uma relação distinta com uma rivalidade que possui pouca base histórica, mas um relevante motivo para o filme em si. “O Último Jogo” acaba se fragilizando por aproximar-se do tom comercial e expositivo sem concretizar uma relação dramática que favoreça os próprios pontos de desenvolvimento narrativo. A articulação é capenga e burocrática demais para engrenar de vez. O sentimento é de que estamos em uma eterna introdução da história. Sensação essa que é potencializada por uma linguagem que busca contar a história a partir de uma praticidade lúdica pouco convincente, remetendo aos projetos mais canastrões e “chanchadescos” (com perdão da expressão) sem conseguir um pleno diálogo com tal verve.
O longa de Roberto Studart parece dialogar com a condição de sua própria história, está em uma fronteira que não é bem demarcada e não sabe para que lado caminhar e desenvolver. Essa indecisão constante, fica explícita no ritmo e problematiza o encaminhamento geral. Se os arquétipos e estereótipos fossem mais longe em uma paródia de si, para catapultar a própria encenação televisiva, o resultado seria menos mambembe. De toda forma, o médico e sua síndrome de categorizar tudo em doenças é um bom momento de risada, infelizmente já nos créditos finais.