O Segredo do Lago
No meio do caminho...
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
Existem obras que perseguem estruturas já concebidas pela indústria cinematográfica, creditando ao gênero sua própria construção. Vai além do clichê, é realmente uma reverência aos dogmas que fundaram certos padrões reproduzidos à esmo.“O Segredo do Lago” de Phil Sheerin é mais um desses casos onde a estrutura narrativa programática entrega todo um modelo de fácil digestão para o espectador. É um projeto que está mais preocupado com o impacto de suas revelações dramáticas que sua forma. O resultado disso é a distribuição internacional em massa para diversas plataformas que contribuem para a permanência sistemática do descarte nos países periféricos.
Está claro que a intenção do filme é criar algum choque inicial para iniciar seu encaminhamento formulaico. A primeira imagem é um contato direto com a morte e o suposto protagonista fantasmagórico que vai reger o longa: o lago. Os primeiros minutos até conseguem criar algum tipo de misticismo por trás do lago e introduz uma questão cadavérica que tenta entregar ao espectador um mistério por trás da descoberta feita por Tom (Anson Boon). Mas rapidamente isso dá lugar a uma tentativa de romance barato, não tão apelativo, ainda que evidente. E esse eixo arrasta “O Segredo do Lago” até os últimos minutos de projeção, interrompendo o drama material de Elaine (Charlie Murphy), a opressão, os traumas e abusos sofridos por Holly (Emma Mackey). A tentativa desesperada de construir uma relação de sedução baseada em reações violentas diante de certos acontecimentos, é frustrada pela falta de interesse do espectador nessa narrativa que não encaixa.
Se por um lado o filme insiste no perigo de um dos personagens e acredita que há tensão suficiente para manter o suspense na ativa, o próprio lago vai perdendo importância. Ele se torna um mero encontro de traumas e passados assombrosos, sem o peso direto que o projeto tenta expressar nos primeiros minutos. É uma mudança de “funcionalidade” de um objeto dramático fundamental para que haja algum engajamento durante a hora e meia de projeção. Se a troca do objeto central fosse construída em torno dos dramas centrais de seus personagens, compreendendo o peso desse “fantasma” que cerca aquela família, até seria interessante, uma quebra direta da própria articulação. Porém, não existe um trabalho em torno da dimensão, e sim um abraço completo à perseguição e perigos iminentes que atravessam “a verdade”. E aqui fica explícito como a abordagem de “O Segredo do Lago” é moralista. Nos moldes da indústria, o fetiche reina e os abusos sexuais se tornam secundários no que realmente “vai vender”, a violência. Assim, a gravidade de um acontecimento dá lugar ao comercial fajuto.
E a linguagem expõe essa reprodução barata. A fotografia procura um tom cinza com as luzes “naturais” de um “mundo sombrio”, apelando para uma exposição mais gráfica da luz em situações de risco, seja pela ausência de luminosidade geral ou com o atravessamento da janela. Os contrastes seguem a cartilha da dicotomia da direção e da montagem, servindo para criar um espaço de perigo, de um lado a evidência, do outro o mistério. E boa parte desse “suspense” funciona nesse esquema, trabalhando as silhuetas no regime pueril que Hollywood ajudou a fundar. Por essa razão, os espaços possuem a relevância de sua funcionalidade para um perigo direto, ainda que acredite que dois ou três recortes em torno do lago são o suficiente para sustentar o drama. E essa é uma questão essencial para a falha monumental do filme, ele é construído a partir de uma base dramática complexa mas se projeta como um suspense mais imediato. O meio do caminho aqui, é a desorganização completa e a perda de interesse por ambas questões.
“O Segredo do Lago” pode até funcionar em blocos separados e criar alguma antipatia por alguns personagens, mas nunca se encontra no meio de tantas possibilidades apresentadas. É uma tentativa de encontrar dois pólos distintos, como boa parte da internacionalização cinematográfica, que acaba em pouca relevância.