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O Reformatório Nickel

Recorte e limite

Por Vitor Velloso

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O Reformatório Nickel

É curioso como “O Reformatório Nickel”, dirigido por RaMell Ross (do documentário “Hale County This Morning, This Evening”), conseguiu a indicação para o Oscar de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, pois não é um tipo de produto que a indústria está habituada a contemplar nas grandes premiações. Não é uma obra com uma trama tão distinta das produções hollywoodianas, porém sua forma e estrutura o diferenciam dos demais projetos, tanto por uma cadência contemplativa quanto por uma abordagem que prioriza, quase que na íntegra, uma perspectiva em primeira pessoa.

O projeto é baseado no livro vencedor do Pulitzer de 2020, “O Reformatório Nickel”, escrito pelo autor norte-americano Colson Whitehead. Assim, o filme segue dois personagens, Elwood (Ethan Herisse) e Turner (Brandon Wilson), que estão no Reformatório Nickel, vivenciando histórias de racismo, amizade, injustiças etc. Porém, o destaque do filme é sua postura política e estética ao trabalhar com a perspectiva do recorte da primeira pessoa. Ou seja, durante a maior parte da projeção, o espectador acompanha o ponto de vista dos dois personagens, especialmente Elwood, em suas trajetórias de sofrimento e ternura.

Essa estrutura formal dá a “O Reformatório Nickel” a possibilidade de suspender uma contextualização política e social capaz de expor a totalidade, mas compreende um recorte muito definido, desenvolvido através do cruzamento dessas perspectivas. Assim, trata-se de uma escolha formal que traz grandes vantagens para o desenvolvimento e… grandes prejuízos. A força desse recorte dialético está justamente na articulação entre dois momentos dramáticos distintos sendo trabalhados, permitindo ao espectador compreender a intimidade dos olhares, suas sutilezas, demonstrações de afeto e preocupação. Contudo, essa abordagem também limita a perspectiva, restringindo drasticamente discussões e proposições que estão na obra, mas não possuem pleno desenvolvimento por estarem inseridas em uma representação de caráter limitante.

Dessa forma, à medida que compreendemos as particularidades dos protagonistas, vamos perdendo parte da dimensão histórica e social que está ao redor dessa lente, criando uma representação singular, capaz de emocionar parte do público, especialmente nas sequências com Hattie (Aunjanue Ellis), mas que direciona o projeto para um campo delicado. Não por acaso, algumas imagens de arquivo procuram contemplar mais questões acerca do Reformatório Nickel, desde mapas do local até a exibição de filmes e imagens que ajudam na contextualização desse cenário.

O projeto chega a mostrar algumas sequências do sempre polêmico “Acorrentados” (1958), de Stanley Kramer, para tentar ampliar as críticas e as reflexões sobre as temáticas abordadas no filme. Contudo, há uma lógica de superficialidade nessa exposição, pois trata-se de um escape narrativo e estético para um projeto que assumiu, conscientemente, uma limitação estrutural. Apesar de algumas belas sequências nessa lógica expositiva, há uma fragilidade escancarada no tratamento das discussões. Afinal, é justamente essa perspectiva que distingue “O Reformatório Nickel”, para o bem e para o mal.

Por exemplo, os primeiros momentos no reformatório são hábeis em demonstrar os privilégios dos brancos perante a realidade vivida pelos negros no mesmo local, ainda que separados por um distanciamento físico e pelas atividades permitidas entre os “encarcerados”. A consciência racial muitas vezes é desenvolvida através da distinção, ou seja, pela representação da identidade como diferença. Esses momentos são extremamente eficazes para a contextualização e articulação do território que acompanharemos até o fim da projeção. Contudo, eles vão se tornando relativamente mais escassos à medida que o filme se desenvolve, restando apenas breves momentos de tensão, nos quais os personagens procuram sobreviver através de atividades ilícitas. Essas ações, porém, são difíceis de compreender na geografia do reformatório e arredores, pois o recorte adotado é demasiado rigoroso, dificultando que o espectador entenda plenamente os espaços que os protagonistas atravessam, limitando a representação à ação em si.

“O Reformatório Nickel” é um projeto relativamente ambicioso pela escolha estética e formal, mas parece buscar um diálogo facilitado por meio desse próprio recorte, seja em seu caráter político, seja em seu viés social. À medida que os olhos de Elwood e Turner guiam a objetiva, o filme se encaminha para o encerramento de discussões, ainda que sua narrativa seja capaz de abordar uma gama temática bastante complexa.

Por fim, trata-se de um filme que surpreende na forma, por uma ousadia pouco comum à indústria, mas que, em todas as outras frentes, prefere assegurar que todas as arestas estarão cobertas, evitando grandes polêmicas ou questões que possam prejudicar seu encaminhamento comercial. Sem dúvida, o maior destaque do filme é Aunjanue Ellis, que parece controlar a mise-en-scène através de sua atuação magnética.

3 Nota do Crítico 5 1

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