Reprise Mostra Campos do Jordao

O Homem dos Sonhos

Já sonhou com este homem?

Por Pedro Sales

O Homem dos Sonhos

Existe um mito bastante famoso na internet que consiste na ilustração do rosto de um homem, com traços semelhantes ao de um retrato falado, com a seguinte pergunta: “Já sonhou com este homem?”. Segundo o que foi espalhado por fóruns de lendas urbanas e mistérios, mas inicialmente publicado no site do sociólogo italiano Andrea Natella, quatro pacientes de um psiquiatra sonharam com “esse homem”, que também era paciente, e o reconheceram pela ilustração feita pelo profissional. Assim que a história foi divulgada, juntamente com o retrato, milhares de relatos do mundo inteiro também se juntaram aos pacientes, afirmando que haviam sonhado com tal homem. Sendo esses relatos verdadeiros ou não, fato é que esta intrigante história de um homem invadindo sonhos alheios, quase como uma alucinação coletiva onírica, guarda várias semelhanças com a trama de “O Homem dos Sonhos”, longa dirigido por Kristoffer Borgli. 

Neste filme, o professor universitário Paul (Nicholas Cage) é um homem extremamente comum, pai de família, com desejo de finalmente publicar um livro sobre sua teoria. A vida banal e ordinária aos poucos é transformada a partir do momento em que várias pessoas começam a sonhar com ele, seja a própria filha ou a atendente de um restaurante. Tal estranheza gradualmente construída toma o personagem – e a narrativa – de assalto conforme a proporção da invasão onírica aumenta. Paul deixa de ser, então, apenas um visitante indesejado nos sonhos para assumir um protagonismo de figura midiática, com direito a selfies, entrevistas na televisão e, por que não ações de marketing em parceria com multinacionais. Mas logo o sonho se torna pesadelo, e a presença de Paul passa a ser questionada em locais públicos pelo o que “ele” faz enquanto os outros dormem. 

A narrativa de “O Homem dos Sonhos”, além de remeter à lenda da internet, facilmente alude ao cinema e ao texto de Charlie Kaufman, diretor de “Estou Pensando em Acabar Com Tudo” (2020) e roteirista de “Quero Ser John Malkovich” (1999). Compartilhando desse absurdismo com traços surrealistas, Borgli trabalha a estranheza muitas vezes sob o prisma do humor e exagero. A cena na qual o professor descobre que mais pessoas estão sonhando com ele ilustra com muita clareza essa abordagem. A trilha se intensifica, enquanto o telefone fica mudo, destacando ainda mais a expressão histriônica de Nicholas Cage. Neste sentido, o filme consegue articular bem situações cômicas em um misto de tensão, como uma tentativa de homicídio, filmada com um discreto zoom-in, ou quando uma mulher tenta reproduzir o sonho erótico que teve com Paul, em uma das cenas mais constrangedoras do longa, evocando vergonha alheia a cada novo plano. Este fato de não levar tão à sério a proposta do longa e por vezes debochar em piadas autoconscientes – a citação a Freddy Krueger, a mercadologização dos sonhos, em um tom “Black Mirror” mais irônico – é fundamental para criar essa comédia com elementos fantásticos. 

Dessa forma, o humor consegue se sustentar em todo filme, assim como o suspense que se intensifica conforme Paul deixa de ser mero observador nos sonhos – como ele antes reclamava – para de fato agir. Essa construção visual da estranheza, dos sonhos e pesadelos, porém, acaba ficando em uma zona de conforto, com pouca inventividade imagética. Diante de todas as possibilidades visuais e pirações dos sonhos, Borgli os deixa realistas demais, retendo a estranheza do filme apenas no texto, não tanto na forma. Ainda sim, existem boas sequências destes sonhos-vinhetas, e a montagem encadeia bem a representação no campo do que é narrado pelos sonhadores. Uma pena que alguns sejam tão curtos, picotados e tão poucos consigam explorar a impermanência do espaço onírico, onde quem sonha é lançado de um lugar para o outro sem obedecer uma regra lógica. 

O Homem dos Sonhos”, então, é uma obra que se lança em toda maluquice de uma epidemia dos sonhos com um homem extremamente comum. O diretor, por meio do humor ácido, critica a midiatização em torno da figura e a rápida virada entre viral para cancelado. Acaba sendo também um longa que é engrandecido pela atuação de Cage, com uma fisicalidade de perdedor, mas que com seus passos pesados pode ir de inofensivo à ameaça quando os olhos estão fechados. O elenco de apoio também não fica para trás, como Julianne Nicholson, que faz Janet, a esposa, e Michael Cera, interpretando Trent. A primeira consegue trazer um verniz mais dramático e consolidar as noções do roteiro das provações da família diante da fama repentina, enquanto ele sustenta o humor no que tange ao papel da mídia. Mesmo com algumas irregularidades, em especial no terço final da rodagem, quando a obra parece se esgotar e não saber para onde ir, este é um filme que consegue articular e manter a estranheza da sua trama com uma carga cômica. 

3 Nota do Crítico 5 1

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